Material e ferramenta
Sejam
quais forem as circunstâncias que nos afetem, a vida tem que
continuar. Compete-nos extrair lições das coisas negativas que nos
acontecem e aproveitar ao máximo as boas, pois como dizia a
personagem vivida pela atriz Vivian Leight, no filme “O vento
levou”: “amanhã é outro dia”.
Mas,
deixemos a filosofia barata de lado e vamos ao que interessa. Com o
que se faz boa literatura, aquela que transcende o autor e se
consolida na memória dos povos e se insere para sempre na categoria
dos “clássicos”?
Paul
Valéry diria que se faz com palavras. Sem dúvida, sem elas não
existiriam textos e, portanto, livros, óbvio. Mas não são
quaisquer palavras que constroem uma obra literária e nem se pode se
limitar a jogá-las ao léu, por acaso, sem nenhuma ordem ou
critério. Elas têm que ser cuidadosamente escolhidas e combinadas
de tal sorte que tenham coerência e sentido. Caso contrário...
Escrever-se-á muito e não se dirá nada.
Karl
Krauss, escritor austríaco, célebre por sua irreverência, garantiu
que as palavras são “prostitutas”. E explicou: “dão-se para
qualquer um”. Com elas, podem se elaborar textos sublimes e
transcendentais, além de expressar o bom e o sagrado. Mas elas,
também, se prestam a caluniar, difamar e espalhar desídia e ódio.
Ou seja, são, simultaneamente, o “material” para se construir o
mau e o profano. Dependem, pois, de quem as utiliza. Krauss também
disse que o escritor tem a magia de transformar essas “prostitutas”,
as palavras, em “imaculadas virgens”. A comparação é um tanto
forte, todavia procede.
Um
edifício, para ser construído, não depende apenas de tijolos,
areia, pedras, cal e cimento, tomados isoladamente. Usando um único
desses materiais, sem a presença dos outros citados, não se faz
sequer uma casinha de cachorro, quanto mais uma edificação sólida,
elevada, segura e duradoura. Tome um monte de pedregulhos, por
exemplo. O que você fará com eles isoladamente? Nada!
Junte-lhes,
no entanto, na dose certa, a areia, a cal e o cimento e você terá o
concreto. Com ele, você dará sustentação não apenas a uma casa,
mas, juntando-lhe a indispensável ferragem, ao mais alto dos
edifícios que algum arquiteto possa projetar.
Com
as palavras ocorre o mesmo. Isoladas, de pouco servem. Mas junte-lhes
emoção e razão, realidade e fantasia, raciocínio e informação
e, sobretudo, experiência e criatividade, muita criatividade, tudo
misturado, na dosagem correta, e você terá o surgimento de uma obra
literária consistente e duradoura, que se faz com suor, sangue,
lágrimas e vísceras, mas também com paixão, vigor, entusiasmo e
vida.
Para
trabalhar com esse material, contudo, precisamos de ferramentas. A
nossa, foi se modernizando ao longo do tempo, até chegar ao que hoje
é. Começou com uma pena de aves, talvez de galinha, talvez de pato
ou talvez de ganso. Evoluiu para outra, mas feita de metal. Chegou às
eficientes canetas. Passou, no final do século XIX a ser a máquina
de datilografia. E hoje... são os modernos, práticos e racionais
computadores.
Ferramentas,
todos sabem, não são boas e nem más. São úteis. Mas dependem de
quem as manipula. Em mãos inábeis, podem servir, até, de
instrumentos de destruição. Um martelo, por exemplo, utilizado para
o fim a que foi inventado, é utilíssimo. Se você usá-lo, porém,
para bater cegamente em tudo o que vê, servirá, somente, para
destruir. E em mãos homicidas tende a transformar-se mesmo em arma
letal. Idêntica constatação serve para o machado, a picareta, a
enxada, a faca etc.
Todos
esses ingredientes, portanto, tornam possível a elaboração de uma
obra literária grandiosa e que transcenda o autor. Ela, contudo, não
se faz por si só. Nada nasce do nada, por geração espontânea.
Atrás da ferramenta é preciso que haja o operário hábil e
qualificado. Sem ele, de nada valerá, igualmente, o material, por
mais adequado e selecionado que seja. Uma grande obra literária,
portanto, se faz com você, caríssimo escritor. Faz-se com sua
autodisciplina, conhecimento, criatividade, magia, talento etc.
O
sujeito mais chato, desses que põem reparo em tudo, dirá que
esqueci de mencionar que uma grande obra se faz também com
“verdade”. Para responder-lhe, todavia, emprestaria as palavras
de Pablo Neruda, muito mais sábio e vivido do que eu que, ao cabo de
uma vida agitada, mas sumamente produtiva, constatou, abismado: “A
verdade é que não existe verdade!”.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Assim como não existe certo e nem normal.
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