Humano,
como Jesus, só Deus mesmo
* Por
Leonardo Boff
O
Natal nos faz lembrar nossas origens humildes. O Filho de Deus não
quis nascer num palácio com tudo o que lhe pertence em pompa e
glória. Não preferiu um templo. com seus ritos, incensos, velas
acesas e cânticos. Sequer buscou uma casa minimamente decente.
Nasceu lá onde comem os animais, numa manjedoura. Os pais eram
pobres operários, do campo e da oficina, a caminho de um
recenseamento imposto pelo imperador romano.
Esta
cena nos remete à situação presente no país e no mundo: milhões
e milhões de pobres, muitos famélicos,outros tantos milhões de
crianças cujos olhos quase saltam do rosto por causa da fome e
da fraqueza. A maioria morre antes de atingir 3 anos. Eles atualizam
para nós a condição escolhida pelo Filho de Deus.
Ao
escolher aqueles que não são socialmente e os tidos como
invisíveis, o Filho de Deus nos quis passar uma mensagem: há uma
dignidade divina em todos estes sofredores. Face a eles devemos
mostrar solidariedade e compaixão, não como pena, mas como forma de
participar de sua paixão. Sempre haverá pobres neste mundo, já o
disse a Bíblia. Razão a mais para sempre retomarmos a solidariedade
e a compaixão. Se alguém caminha junto, estende a mão e
levanta o caído, mais ainda, se alguém se faz companheiro, quer
dizer, aquele que comparte o pão, o sofrimento se torna menor e a
cruz mais leve.
Quem
está longe dos pobres, mesmo o cristão mais piedoso, está longe de
Cristo. Cabe sempre recordar a palavra do Juiz Supremo:”O que fizer
ou deixar de fazer a estes meus irmãos e irmãs mais pequenos: os
famintos, os sedentos, os encarcerados e os nus, foi a mim que o fez
ou deixou de fazer (Mt 25,40).
O
Natal é uma festa da contradição: ela nos recorda o mundo
que ainda não foi humanizado porque somos cruéis e sem piedade para
com aqueles penalizados pela vida. O Natal nos recorda a mesma
situação vivida pelo Verbo da vida, o Filho feito carne.
Por
outro lado, no Natal nos alegramos que Deus em Jesus “mostrou a sua
bondade e jovialidade para conosco”(Epístola a Tito 3,4).
Alegra-nos saber que Deus se fez criança que não julga nem condena
ninguém. Quer apenas, como criança, ser acolhido mais que acolher,
ser ajudado mais que ajudar.
Apraz-me
terminar esta pequena reflexão com os versos do grande poeta
português, Fernando Pessoa. Poucos disseram coisas mais belas do que
ele sobre o Menino Jesus:
“Ele
é a Eterna Criança, o Deus que faltava.
Ele
é o humano que é natural,
Ele
é o divino que sorri e que brinca.
E
por isso é que eu sei com toda certeza
Que
Ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E
a criança tão humana que é divina.
Damo-nos
tão bem um com o outro
Na
companhia de tudo,
Que
nunca pensamos um no outro.
Mas
vivemos juntos os dois
Com
um acordo íntimo,
Como
a mão direita e a esquerda.
Quando
eu morrer, filhinho,
Seja
eu a criança, a mais pequena.
Pega-me
tu ao colo
E
leva-me para dentro de tua casa.
Despe
o meu ser cansado e humano
E
deita-me na tua cama.
E
conta-me histórias, caso eu acorde,
Para
eu tornar a adormecer.
E
dá-me sonhos teus para eu brincar
Até
que nasça qualquer dia
Que
tu sabes qual é”.
Depois
desta beleza singela e verdadeira só me resta desejar um Feliz Natal
sereno a todos dentro de nosso mundo tão conturbado.
*
Leonardo Boff é teólogo e autor de “Tempo de Transcendência: o
ser humano como projeto infinito”, “Cuidar da Terra-Proteger a
vida” (Record, 2010) e “A oração de São Francisco”, Vozes
(2009 e 2010), entre outros tantos livros de sucesso. Escreveu, com
Mark Hathway, “The Tao of Liberation exploring the ecology on
transformation”, “Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz”
(Vozes, 2009). Foi observador na COP-16, realizada recentemente em
Cancun, no México.
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