Grande “talvez”
As
certezas que adquirimos ao longo da vida, aquelas constatações e
convicções imutáveis, que nada e ninguém conseguem mudar, são
escassas, escassíssimas, embora não venhamos a nos dar conta. Tudo
é um imenso e virtualmente infinito “talvez”, que os parcos anos
da nossa trajetória por esta aventura perigosa (mas fascinante) não
nos permitem esclarecer.
Da
minha parte, estou absolutamente certo de poucas coisas. A primeira,
seguindo o princípio de Descartes (“Cogito! Ergo sum!”), é a de
que existo. Afinal, penso! A segunda, ditada pela mais elementar das
lógicas, é a da existência de Deus. Não tenho a mais remota e
pálida ideia de como Ele é. Ademais, ninguém jamais teve, tem ou
terá (a despeito das tantas e tantas afirmações a respeito). Mas
tenho a total convicção da Sua existência, poder e glória. Basta
olhar para o céu, numa noite estrelada, e ter em mente que essa
infinidade de mundos foi criada por Ele. É o que me basta.
No
mais... minhas convicções (como ademais, as de todas as outras
pessoas) não passam de hipóteses, possibilidades e suposições.
Mesmo a ciência humana restringe-se a somente isso. Por exemplo,
vemos, amiúde, “leis” da Física, Química e Biologia, tidas e
havidas como certezas, como princípios testados e comprovados por
infinitas experiências e, portanto, supostamente imutáveis, serem
refeitas, face a novas descobertas.
Detesto
escrever sobre a morte, a terceira das grandes certezas que tenho.
Sei que um dia deixarei o palco deste mundo, de forma suave ou
traumática, sei lá (não há como saber) e que terá fim esta
aventura fascinante e maravilhosa, que tenho o privilégio de
encarar, que é a vida.
Isso,
por mais que queira ou tente evitar, por mais prudentes que sejam os
meus passos e mais saudáveis que sejam os meus hábitos, nunca terei
como evitar. Esta, sim, é uma regra imutável, não mera hipótese,
passiva de contestação. Ou seja, a de que todo o organismo vivo,
esgotado seu ciclo vital (que varia de um ser para outro e ninguém
jamais soube de quanto tempo que é), morre. E seu corpo físico se
“transforma”. No caso, torna-se pó!
Todavia,
até essa certeza é revestida de profunda, de possivelmente
infinita, quiçá de absoluta incerteza, de monumental “talvez”.
Refiro-me ao depois. Tão logo completamos o ciclo imposto pela
natureza, o que ocorre? Tudo finda nesse momento? Perdemos de vez a
consciência e nosso cérebro, nosso raciocínio, nosso “eu” se
apagam, simplesmente, como um aparelho elétrico ao ser desligado da
tomada, como este computador em que rabisco estas reflexões?
O
que, de fato, ocorre? Existe, mesmo, essa essência imaterial no
homem que se disperse no éter, mas permaneça com consciência,
lembranças, sensibilidade e capacidade de entendimento? Ou essa
“inteligência”, que tanto nos orgulha e que nos distingue dos
bilhões de outros seres vivos, não passa de função mecânica, de
efeito elétrico, de consequência de sinapses dos terminais
nervosos, portanto explicável cientificamente e passiva de
replicação? Quem pode responder a essa questão sem margem à
mínima dúvida, sem recorrer a hipóteses, suposições e crenças?
Ser humano nenhum pode!
Bem
que cientistas já fizeram essa tentativa, e várias vezes. Houve
inúmeros ensaios para de se transplantar cérebros brilhantes em
corpos mais saudáveis do que aqueles que originalmente eles
comandavam. Em vão! Parece, portanto, que a inteligência é
intransferível. Mas onde a certeza? É outro grande talvez.
Na
hipótese (a meu ver improvável) porém, da sobrevivência dessa
nossa parte essencial, genericamente denominada de “alma” (ou de
“espírito”, como querem alguns), como isso se dá? Onde fica
essa parte imaterial? Pairando no espaço? Fica na própria Terra?
Segue para outro planeta ou outra dimensão? Qual?
Muitos
(não sei se a maioria) optam pela fé. Esta, até por definição,
não requer a mínima explicação. É a crença absoluta e total,
profunda e irrestrita no que é, objetivamente, incrível. No que, se
fôssemos racionalizar, não acreditaríamos jamais.
Há
quem tenha essa capacidade e ela, certamente, lhe é um bem. Faz com
que quem tem fé não tema a morte e até, eventualmente, sinta
ansiedade para que chegue logo. Mas isso não está no terreno
racional da certeza. Por isso, não tenho como contestar o autor dos
célebres “Gargântua” e “Pantagruel”, François Rabelais,
quando constatou, a propósito da morte: “Vou em busca de um grande
talvez”.Todos nós iremos um dia…
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Dá menos medo imaginar que é apenas uma tomada que se desliga.
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