Aviltamento
* Por
Luiz de Aquino
Primeiro
ato: Houve um tempo em que comunismo era uma palavra tão perigosa,
tão apavorante e temida que era o bastante para fazer as crianças
dormirem mais cedo, os ricos tremerem de medo e os católicos
parecerem mais fiéis (maridos também). Era o tempo da comunicação
incipiente, a notícia de um evento no Leste Europeu ou na Ásia
levava semanas para chegar aqui (quando chegava) e o fato passava por
tradutores meticulosos e ainda pelas censuras dos políticos e dos
militares.
Hoje,
fala-se muito em manipulação das notícias e a culpa é do sistema
Globo, como se não houvesse concorrentes. Era o tempo das madames
empoadas desfilando em “família com Deus pela liberdade”. Para
aquelas pessoas, liberdade era o direito que elas, somente, tinham de
produzir, faturar e viajar, importar sem ônus, pagar baixos salários
e assegurar para si e seus descendentes o melhor da vida brasileira.
O
comunismo acabou, como regime, mas sobre-existe como filosofia, não
passa de um conceito abstrato e de uma utopia sabidamente imprópria,
mas as carências sociais continuam. Há pessoas que se preocupam,
seriamente – sem vinculação ideológico-financeira – e que
insistem em buscar soluções que minorem as dores da expressiva
parcela de brasileiros miseráveis.
Segundo
ato: Ao longo da vida política brasileira, sempre se falou em
corrupção. Os portugueses colonizadores vigiavam seus mandatários
na colônia, vigiando-os de perto. Muitos caíram em desgraça por,
efetivamente, apropriarem-se de parcelas “clandestinas” dos
minerais explorados em Minas e Goiás. A vinda da Família Real (com
toda a corte) em 1808 mudou a vida brasileira, que logo passou a
Reino Unido e, na sequência, fez-se independente. O império foi
marcado pelas inevitáveis mudanças, veio a renúncia de Pedro I, os
nove anos de regências e, por fim, a emancipação precoce de Pedro
de Alcântara, aos 14 anos, que governou por 49 anos e a nação
conheceu muito da luz inovadora do Século XIX. Já se tinha
planejado e pronto para se aplicar o III Império quando se fez esta
malfadada república, inaugurada com um golpe em que até o dito
autor – Deodoro da Fonseca – não sabia de nada.
Terceiro
ato: Naquele 15 de novembro, em 1889, nasceram todos os males que nos
afligem hoje. Deodoro, feito líder, foi escolhido presidente da
República, tendo por vice o mentor daquela coisa. Num lampejo de
consciência, talvez, Deodoro renuncia dois anos após e restaria ao
segundo marechal o mandato tampão – porém, Floriano impôs, “no
grito”, que ficaria quatro anos, pois “fora eleito para quatro
anos” – e a cúpula corrupta ou medrosa da república aceitou. A
alma brasileira comete, talvez inconscientemente, uma breve vingança
ao apelidar Florianópolis de “Floripa”. O marechal, no dizer dos
mais antigos, “certamente se remexe no túmulo” cada vez que
assim se fala.
Foram
tantos e tão variáveis os desmandos da República Velha que o
Brasil, “desaguou” na revolução de 1930, liderada por Getúlio
Vargas, que ocupou a cadeira da presidência por quinze anos, foi
deposto, voltou pelo voto e morreu, dizem que de suicídio, com uma
carta-testamento que (dizem) estava escrita por algum assessor desde
uns dias antes do fatídico 24 de outubro de 1954.
E
aí vieram a tentativa de golpe em novembro de 1955; outra em agosto
de 1961 e, por fim, vitorioso, em 1964, quando se definiu que “as
elites civis estão falidas”. Foram 21 anos de ditadura por
revezamento, a distensão ou abertura, a passagem do poder aos civis,
um vice improvisado como titular, um inconsequente eleito pela massa,
o impeachment, outro vice que aplicou com eficiência um plano que
acabou com a inflação, um eleito com pose de príncipe, outro com
as marcas do povão, uma mulher que engrandeceu a ala feminina, mas
que caiu por prepotência, num golpe armado sob definições ditas
legais.
A
falseta ficou clara quando, num arroubo de bondade, o presidente do
Senado propôs e o presidente do Supremo Tribunal aplicaram uma
atravessada na lei, afastando a presidente sob apenas meia punição,
já que o impedimento implicava suspensão dos direitos políticos.
Até
uns meses após a investidura estranha – mas calçadas em preceitos
legais – do vice escolhido por Dilma cuidei, sempre, de preservar o
respeito à pessoa que ocupava o posto de Getúlio e Juscelino, mas
Temer não se faz por merecer. Além das suspeitas das conspirações
tão decantadas antes, vieram as denúncias que ele não consegue
refutar senão perante a Câmara em que dezenas de deputados são
investigados, o Senado com membros já em vias de serem condenados e
que se mantêm fiéis ao presidente sob as propinas que já não mais
se escondem, tudo custeado pelo povo, sem chance de alívio enquanto
perdurar essa coisa.
Francamente,
é difícil manter o respeito.
-
Jornalista e escritor de Goiânia/GO
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