Aos mestres, com carinho
* Por Pedro J. Bondaczuk
O
escritor H. G. Wells, autor, entre tantas outras obras, do célebre
romance de ficção científica "Guerra dos Mundos",
afirmou, em um de seus tantos textos, que "a história da
humanidade é mais uma competição entre a educação e a
catástrofe". Em períodos, (e em países), em que multidões
ficam privadas desse supremo bem do espírito, a barbárie, a
violência e a ignorância prevalecem. O processo civilizatório, por
conseqüência, estagna, quando não sofre enormes e perigosos
retrocessos.
Poucos
personagens em nossa vida têm importância maior e mais decisiva do
que os nossos professores. São eles que na verdade moldam o nosso
caráter e direcionam nossas vocações. Uns nos influenciam mais do
que outros, o que é normal. Mas todos têm o seu quinhão, a sua
parcela de contribuição, por ínfima que seja, na nossa formação
profissional e humana.
Raros
de nós, no entanto, reconhecemos (ao menos publicamente), essa
influência, fundamental e decisiva. Se alcançamos os objetivos a
que nos propusemos, se logramos realizar os nossos sonhos e nos
tornamos figuras de destaque no contexto social, atribuímos o êxito
apenas à nossa suposta capacidade mental, à nossa pretensa acuidade
intelectual e/ou aos nossos consolidados valores morais. Se
fracassamos, a tendência é procurarmos culpados para os fracassos e
mazelas. E, em geral, encontramos muitos.
Faço
questão, no entanto, de reconhecer, de público, a benfazeja
influência dos professores que tive na determinação daquilo que
hoje sou. O pequeno e relativo sucesso que obtive (só não consegui
mais em virtude das minhas limitações e defeitos), devo aos mestres
que me guiaram os primeiros passos em direção ao saber. Lembro-me
de todos, de cada um deles, seja de que curso ou escola que tenha
freqüentado, desde as humildes e abnegadas professorinhas do
primário ( Dona Helena e Dona Ester Freeman), aos ilustres e doutos
catedráticos que tive na universidade.
Cada
um moldou um pouco desta "estátua", que eu sou – um
órgão, uma característica particular, um detalhe, por
imperceptível que pareça. Noaspecto
intelectual, portanto, todos somos uma espécie de composição
coletiva, de vários "artistas", muitos dos quais sequer se
conhecem e que, no entanto, não "assinam" a obra. É uma
pena. E principalmente uma enorme injustiça.
Entre
meus mestres, um teve influência um pouquinho maior do que os outros
na determinação do meu rumo profissional. Trata-se do professor
Eduardo Portela, que lecionou Português no terceiro científico
(atual curso colegial), no Colégio Ateneu-Cesário Motta, quando as
duas tradicionais instituições campineiras se fundiram, em 1966,
antes de fecharem suas portas. Se hoje sou jornalista e se me
aventuro, com relativo sucesso, pelos intrincados e obscuros meandros
da literatura, muito devo aos seus lúcidos ensinamentos.
Sua
extraordinária didática e sua maneira de despertar o interesse dos
alunos para que, não somente tolerassem, mas até apreciassem tão
complexa e complicada matéria, fizeram fama na cidade, na época.
Como eu, certamente a maioria dos meus colegas de classe tinham (e
devem ter ainda) a mesma apreciação (e disfarçada veneração),
por esse mestre. Tanto que, na ocasião, ele era o professor mais
popular da escola.
Pudera!
Carioca, sempre bem-humorado, capaz de entender a rebeldia de alguns
e de direcioná-la para atitudes criativas (todo escritor, no fundo,
é um rebelde), e de acabar com a apatia de muitos, que encaravam os
estudos como enfadonha obrigação e não como privilégio, fazia de
cada uma das suas inesquecíveis aulas, mesmo nos dias de provas de
avaliação, um "show" de cultura e de bom gosto.
O
programa de Português do último ano do científico, na ocasião,
centralizava-se em noções de literatura portuguesa. Eram aulas
bastante teóricas, abordando a história das várias escolas
literárias, que todo o mundo reclamava. O professor Portela, no
entanto, decidiu inovar. Ensinou-nos preciosas lições de estilo,
enfatizando as virtudes e os vícios de linguagem de cada um de nós,
contribuindo para que os eliminássemos. E, o que era o melhor, as
aulas eram todas práticas. Teoria, nem pensar. Essa estudávamos em
casa, nos livros que ele que nos recomendava. Nós, alunos,
aprendemos, portanto, a escrever da melhor forma que existe:
"escrevendo".
Na
figura do professor Portela rendo, com carinho, singelas e comovidas
homenagens, num preito de profunda gratidão, a todos os mestres do
mundo, criaturas abnegadas, pacientes e preciosas, que mesmo no
anonimato, não valorizadas devidamente pela sociedade, à qual
servem tão bem, contribuem, no seu dia a dia, para que a humanidade
fique, nem que seja só um pouquinho, mais distante da catástrofe,
que é fruto da ignorância. Idel Becker escreveu: "Duas pessoas
olham para fora através da mesma janela: uma vê o pântano e a
outra as estrelas". Esta outra, estejam certos, é o professor.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Em oposição a você, não consigo me lembrar dos nomes de todos os meus professores. Foram muitos nos 27 anos em que tive aulas formais, mas tenho por todos eles muito carinho e respeito total, especialmente na época em que me ensinaram. Sou grata a todos eles, ainda que alguns tenham sido relapsos e preguiçosos e tinham muito mais para dar. Até a esses reverencio, pois consegui também aprender com eles.
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