Ânsia de compartilhar
* Por Pedro J.
Bondaczuk
Há
determinados fenômenos que me fascinam, enquanto estudioso do
comportamento humano, e que se me constituem em insondável mistério.
Um deles é o que se refere à paixão que mais da metade da
população mundial tem pelo futebol. Como escritor e como
intelectual, essa atividade desportiva é, há já alguns anos, meu
objeto preferido de estudo e de reflexão. Não tenho nenhuma
conclusão peremptória a propósito, mas elaborei diversas teorias
que podem estar corretas ou completamente equivocadas. Por isso é
que são meras hipóteses, não certezas. Abordarei o que se passa ao
meu redor e que, portanto, posso testemunhar no dia a dia, mas
algumas das conclusões a que cheguei se encaixam perfeitamente no
que ocorre no resto do mundo.
O
futebol, no Brasil, tem papel que extrapola, em muito, sua finalidade
básica, que é o lazer. Vai além, também, do âmbito desportivo,
no sentido lato, porquanto o mistério reside no comportamento não
de quem o pratica, no caso os jogadores, mas na paixão exacerbada de
quem o presencia, os torcedores. Ultrapassa inclusive outra função
que alguns lhe atribuem, a de catarse coletiva, de válvula de escape
de tensões e frustrações, como é utilizado, inclusive – ao lado
de outros esportes – em diversas outras sociedades nacionais, mesmo
as que ostentam estágios de civilização mais avançados do que o
nosso.
O
futebol, notadamente no Brasil (que é onde nasci, cresci, vivo e
que, portanto, conheço) desperta paixões exacerbadas de amor (pelo
clube de coração do torcedor) e de ódio (pelos adversários), como
poucas coisas na vida são capazes de despertar. Talvez se aproxime,
em termos de fanatismo, da religião. Mas supera as paixões
políticas e ideológicas. E por que isso acontece? Há tempos o
fenômeno carece de um estudo mais profundo de pessoas mais
capacitadas e preparadas que eu. De qualquer forma, considero o
futebol importante (desde que encarado na devida medida, sem se
descambar para excessos e exageros) por unir os brasileiros (pelo
menos parcelas deles) e por servir de pretexto para manifestações
de civismo e de amor à pátria – pelo menos em épocas de jogos da
Seleção – como nenhuma outra atividade faz.
Critico
comportamentos passionais não com a arrogância do intelectual que
não se deixa contaminar por paixões. Longe disso. E muito pelo
contrário. Nesse aspecto, também sou passional. Quando meu clube do
coração está envolvido (e nunca escondi de ninguém que este é a
centenária Ponte Preta), toda minha racionalidade vai pras cucuias e
só tenho olhos e anseios para os que o representam nas competições
que participa. Deixo de ser cerebral para me tornar animal
“visceral”. Nisso não sou nada diferente da grande maioria das
pessoas que conheço, com as quais convivo, intelectuais ou não.
Uma
questão ainda mais intrigante, e que imprime uma infinidade de
pontos de interrogação em minha mente, é: Por que o futebol,
esporte que nada tinha a ver com nossos costumes e tradições,
alienígena, inventado na Inglaterra, de onde foi importado em fins
do século XIX e que foi praticado, por muito tempo, apenas, por
aristocratas, ou seja, pela elite, caiu tanto no gosto popular do
brasileiro? Sim, por que? Afinal, nosso povo poderia ser apaixonado
por tantas outras modalidades. Poderia adorar, por exemplo, o
beisebol, como o norte-americano o faz. Ou o vôlei, do qual o País
é hoje referência de qualidade no mundo, detendo a primazia quer no
masculino, quer no feminino. Mas não, o brasileiro é apaixonado,
mesmo, é pelo futebol.
Objetivamente,
convenhamos, trata-se de um jogo até monótono, quando mal jogado é
muito chato, com regras nem sempre muito claras, muitas delas
interpretativas e que, quando opõe adversários de pouca ou nenhuma
competência, chega mesmo a dar sono. E no entanto... De fins da
década de 50 do século passado a meados da de 70, quando o grande
Santos montou a incomparável “máquina” de jogar futebol, esse
fascínio popular seria até um pouco compreensível. No campeonato
paulista de 1958, por exemplo, esse esquadrão fantástico marcou
perto de 200 gols em 38 jogos!!! Aplicou pelo menos oito goleadas
históricas em seus adversários. Pelé, sozinho, marcou, nessa
competição, quase o mesmo tanto de gols que o time inteiro do
Fluminense no Brasileirão de 2010: 58!!!.
A
maioria dos jogos, porém, é de uma chatice imensa. A bola mais fica
parada do que em movimento, por causa das infrações cometidas. O
número de passes errados – à exceção de jogos excepcionais,
como Barcelona e Real Madrid, na Espanha – é de quantidade absurda
e constrangedora. Há partidas que, quando sai um mísero golzinho, é
caso de se comemorar como grande feito. E, no entanto...
E
o curioso é que a paixão do brasileiro pelo futebol brotou de forma
espontânea, sem que houvesse nenhum planejamento nesse sentido ou
qualquer forma subjetiva de indução, e que nem mesmo teve grande
divulgação pela imprensa nos primórdios da implantação dessa
modalidade em nosso País. Talvez, se tivesse, o Brasil não teria o
sucesso que de fato tem (vá lá saber!!!). Afinal, aqui é a terra
do improviso, do jogo-de-cintura, do jeitinho.
Sem
que ninguém consiga explicar como e nem porque, o futebol, aos
poucos, se alastrou não somente nos grandes centros urbanos, como
São Paulo e Rio de Janeiro, mas por todo o território nacional,
tornando-se mania dos brasileiros. Hoje, até campeonatos indígenas
são disputados, com o mesmo entusiasmo de um Campeonato Brasileiro
da Primeira Divisão. É o que sabemos fazer bem, com competência e
êxito.
Tenho
uma tese a respeito, embora tema que não se sustente. O futebol é
um jogo em que tudo é simbólico. A bola, por exemplo, simboliza o
planeta que nos acolhe. As metas são os objetivos que colocamos em
nossas vidas que, para serem alcançados, temos, antes, que superar
uma grande quantidade de obstáculos (no caso, o sistema defensivo
adversário, incluindo o goleiro). O árbitro representa o juiz na
vida real, a quem compete julgar nossas pendências com o próximo. E
seus auxiliares seriam os outros membros do aparato de justiça que
dirime controvérsias e nos pune quando infringimos as regras.
Ademais,
o futebol fascina tanto por se tratar de esporte coletivo. A nossa
ânsia de compartilhar, de nos sentir parte (mesmo que indireta) de
um grupo, de uma comunidade, de uma associação faz com que nos
apaixonemos tanto pela modalidade. Mas... como diz o italiano: “Si
non é vero é bene trovato”. De qualquer forma, está aí um bom
assunto para você, meu paciente leitor, refletir em seus momentos de
ócio. Valeu a sugestão?
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
A gente quer fazer parte de um grupo, isso fascina o torcedor. Não creio nessa sua hipótese da bola/Terra.
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