Um
escritor sem estilo
*Por
Fernando Soares Campos
Eduardo,
de Santos, SP, meu amigo e companheiro de trabalho na SGS do Brasil,
no início dos saudosos e não menos lastimosos (os dois pra mim)
anos 1980, chegou ao trabalho e soltou um desabafo um tanto desolado:
“Dia
desses entrei numa loja de discos e perguntei à vendedora se eles
tinham João Nogueira. Vocês acreditam que ela simplesmente me disse
que não sabia? Então, me aconselhou a procurar nas gôndolas,
apontando para a seção de música sertaneja: ‘Veja aí, tem muita
gente nova na praça, pode ser que esse já tenha chegado aqui na
loja’.”
Meu
amigo me disse que ficou ainda mais confuso quando soube que a moça,
que não sabia nem mesmo quem era o “tal” João Nogueira a quem
ele se referia, trabalhava ali há cerca de cinco anos. Evidente que
não se poderia, nem se pode, esperar que todo brasileiro e
brasileira soubesse, ou saiba, quem era, ou é, o consagrado
cantor-compositor.
Mas,
não seja por isso, pois, certa feita, um amigo do meu filho, o
Fábio, estudante do curso de Letras da UERJ e que gosta de de vez em
quando trocar umas ideias com a gente, chegou aqui em casa, não mais
que de repente. Papo vai, papo vem, não sei por que cargas d’água,
perguntei a ele: “Tu lê o Millôr?” O jovem estudante me falou
simplesmente que desconhecia esse “tal” de Melô.
Falei
pra ele que se tratava de Millôr Fernandes, o papa do humor no
Brasil, pelo menos até os saudosos e não menos lastimosos anos
1980s. Um dos meus mestres. Até ensaiei um trocadilho infame, mas
não me atrevi a soltá-lo, a fim de não confundir ainda mais a cuca
do rapaz. Mas quase disse: “Melhor, Fernando, né?” Putz! Pois,
como acho que diria o próprio Millôr: “Esse sujeito não é
humano que nem eu!”
As
coisas mudam
Agora
vejamos. Não faz tanto tempo assim, textos do Millôr eram aplicados
em vestibulares de universidades diversas, principalmente as
federais, estaduais e as municipalizadas. Nos cursinhos de
pré-vestibular, o Millôr era consagrado. Os pré-vestibulandos
queimavam as pestanas lendo textos do “tal” escritor “sem
estilo”.
O
Millôr (assim como o Fausto Wolff e tanta gente que sabe lidar com
as pretinhas ou coloridas do monitor) não tem curso superior, mas
certamente tem conhecimentos superiores. Já me perguntaram:
“Fernando, você tem nível superior?” E eu não me fiz de
rogado, entendi bem o que o colega quis dizer com esse negócio de
“nível”, e respondi: “Nível, provavelmente eu devo ter, mas
não tenho curso superior.” Aliás, estou no mesmo “nível” do
presidente Lula: fiz até a terceira série primária, lá em minha
terra natal. Depois disso, fui elevado ao ensino, como dizíamos
antigamente, ginasial, ou equivalente, quando fiz o curso de
aprendiz-marinheiro, na Bahia.
A
última vez que li o Millôr foi na revista Veja.
Um brilhante savoir-faire que
deu no que deu. Agora, tá lá o Millôr estendido no UOL. Uma das
nossas fontes de pesquisa.
Bom,
tudo bem mal, os anos se passam e a gente nem nota que as coisas
mudam, não é mesmo?
*
Jornalista e escritor
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