Regresso à totalidade
O
homem, a despeito de se constituir em um ser excepcional em relação
às demais criaturas viventes conhecidas, animais e vegetais, não
está satisfeito com a sua humanidade. Não compreende a morte, por
exemplo, e aspira, mesmo que o negue, a uma impossível eternidade,
mesmo que não seja a física.
Deseja
(possivelmente, em vão) que pelo menos essa essência, que o move, e
que lhe faculta a compreensão, que denomina de “alma”, ou de
“espírito”, sobreviva ao tempo e à efemeridade. Há quem creia
piamente nessa hipotética “outra vida” alhures, com outra
conformação, que não a material, que seria um prêmio por suas
virtudes e seu procedimento racional na Terra.
Há,
também, em contrapartida, quem acredite que tudo se acabe com o
último suspiro e que, quem, não aproveitou para satisfazer a carne,
ou seja, os sentidos, viveu em vão. São os hedonistas e os
epicuristas. De uma maneira ou de outra, todavia, todos aspiram por
um retorno, e que não seja doloroso e traumático, à misteriosa e
assombrosa totalidade, de onde foram arrancados à revelia. Afinal,
ninguém pede para nascer!
Cada
qual tem sua forma própria e peculiar de pensar a respeito e as
estratégias para esse tão desejado regresso ao cosmo são tantas
quantas são as pessoas que vivem ou já viveram desde a origem deste
estranho e excepcional animal.
Uns
apegam-se, exclusivamente, à religião, não raro dogmaticamente –
e alguns vão ao extremo de se apegar fanaticamente – e anseiam que
chegue logo esse momento de seguirem para esse Paraíso sonhado, em
que não haveria sofrimentos (físicos e nem mentais), maldade,
violência, injustiças, dores e nem morte. Estão certos? Estão
errados? Não se pode dizer!
Outros,
por sua vez, nutrem a (vã?) esperança de que o homem, algum dia,
aprenderá a dominar seus instintos de fera, a conviver em paz e
harmonia com o próximo e com a natureza e, mediante a ciência,
descobrirá, entre seus tantos genes, o que lhe possibilite a vida
eterna, mas em sua forma física, orgânica, corporal, do jeito que
é. Estão certos? Estão errados? Também não se pode dizer!
Há
uma série de fatores que, de acordo com a realidade de cada um,
determina a forma duma pessoa refletir sobre seu futuro e de projetar
nele seus anseios e esperanças. Os que nascem, por exemplo, com o
estigma de alguma deficiência física (ou mental), e se vêem, por
isso, limitados nas ações, sonham com maior intensidade com esse
mundo espiritual, em que serão perfeitos e incorruptíveis, e
poderão fazer tudo o que lhes é vedado em sua condição atual.
Têm
aspiração idêntica os acometidos por doenças incapacitantes (e
são tantos no mundo!), os que convivem, dia a dia, com intensas e
cruciantes dores e que definham, a olhos vistos, ansiando,
desesperadamente, pelo fim do seu sofrimento. Compreende-se sua
posição face à vida, à qual usufruem com profundas limitações.
Mas o ser humano é, paradoxalmente, tão grande, em sua profunda
pequenez, que consegue criar esperanças quando as circunstâncias
lhe são todas propícias, somente, ao desespero.
Mesmo
os céticos, porém, os que não creem em paraísos espirituais
(incluo-me neste caso) e nem em milagrosos feitos da ciência,
anseiam pelo regresso à totalidade original. Como? Pelo amor! Parece
constatação insólita, mas não é.
O
poeta mexicano, Octávio Paz, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura
de 1990, escreveu acerca dessa aspiração humana: “Ao nascer,
fomos arrancados da totalidade. Pelo amor, nos sentimos regressar à
totalidade original. Por isto as imagens poéticas transformam a
pessoa amada em natureza – montanha, água, estrela, selva, mar,
onda – e por sua vez a natureza fala como se fosse mulher. É a
reconciliação com a totalidade que é o mundo”.
Os
poetas, portanto, são os arautos de um admirável mundo novo, em que
o homem, finalmente, possa adquirir a sonhada eternidade e se
reconciliar com o todo. Suas criativas metáforas são arquétipos
dos sonhos milenares da humanidade, expressos de formas tão variadas
e contraditórias por tantos, ao longo de tanto tempo.
Intuem
que, da mesma forma que, pelo amor, fomos arrancados,
traumaticamente, da totalidade, apenas por seu intermédio poderemos
a ela regressar. O orgasmo, por exemplo, é uma pequena representação
da morte, da qual, todavia, renascemos, invariavelmente, relaxados,
mas revigorados.
Quem
está certo a esse propósito: os que se apegam às religiões ou os
que creem, exclusivamente, na ciência? Ninguém, mas ninguém mesmo
está minimamente capacitado a dar um veredicto que sequer se
aproxime da verdade. Mas o que fica claro é que o homem não se
satisfaz com sua humanidade.
É
certo? É errado? A resposta fica por conta de cada um, de
conformidade com suas crenças e convicções. Ressalto, porém, que
meu intuito não é o de fazer juízo de valores a esse propósito e
nem o de conquistar prosélitos para uma tese ou outra. É,
exclusivamente, o de induzir você, fiel leitor, à madura reflexão.
Pense nisso!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Achei interessante essa imagem da totalidade. Morrer é voltar ao estado de antes de tudo. Nem imaginamos como teria sido. Talvez o nada e não o tudo.
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