Montinho de segredos
O
que é o homem? É um ser mutante, em contínuo processo de evolução,
ou um animal que surgiu acidentalmente e está fadado a desaparecer
enquanto espécie? Que as mudanças são a principal característica
da vida, todos sabem, e de sobejo, se não pela consciência, ou pela
observação, ou pela experiência, ao menos pela intuição.
Muda
nossa aparência, alteram-se nossos gostos, multiplicam-se nossos
conhecimentos, mudam (para melhor ou para pior) nossas
circunstâncias. Tudo, absolutamente tudo, passa por permanente e
contínua alteração. Os males que nos afligem e que parecem
intermináveis, um dia, sem que às vezes sequer nos apercebamos, vão
desaparecer.
Da
mesma forma, deixarão de existir muitos bens que nos são preciosos.
Pessoas amadas vão morrer, ou se mudar para outros lugares;
abriremos mão de atividades que nos dão orgulho e prazer e
perderemos coisas que julgamos, hoje, preciosas e imprescindíveis.
Tudo, absolutamente tudo, portanto, passa, se transforma e muda.
Só
as conseqüências dessas mudanças é que permanecem em nosso
espírito enquanto vivermos. Luiz Vaz de Camões escreveu os
seguintes versos a esse propósito:
“Mudam-se
os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se
o ser, muda-se a confiança;
todo
o mundo é composto de mudança,
tomando
sempre novas qualidades.
Continuamente
vemos novidades,
diferentes
em tudo da esperança;
do
mal ficam as mágoas na lembrança,
e
do bem, se algum houve, as saudades”.
Cientistas
e céticos empedernidos, do alto da sua arrogância e soberba,
tentam, a todo o momento, reduzir o homem à condição finita e de
pura animalidade. Apresentam teorias e mais teorias, todas sem levar
em conta a principal característica da espécie: a plena consciência
de si e do vasto e misterioso universo que o cerca. Todavia, as
tentativas revelam-se vãs e falaciosas. Apesar da sua fragilidade e
efemeridade, esse ser, incompreensível para si mesmo, tem lampejos
de grandeza e de transcendência que sugerem origem e destino muito
mais grandiosos do que estes. Quais? Não sei!
Austregésilo
de Athayde escreveu, em 30 de abril de 1960, em sua coluna “Vana
Verba” (que publicava semanalmente na extinta revista “O
Cruzeiro”): “Houve, no curso dos tempos, outras ocasiões em que
os homens se deixaram embalar na ideia de que estaria a seu alcance,
pelo trabalho de laboratório, conhecer os segredos da natureza e por
meio deles destruir o Espírito, com todas as suas imensas criações.
Prefiro a vida espiritual nas plenitudes que oferece a aferrar-me a
certas hipóteses científicas que estão sendo invocadas para
reduzir o homem à condição finita da pura animalidade e jungi-lo a
preconceitos de ordem materialista, mais detestáveis e estéreis do
que aqueles outros que nascem de uma consideração superior do nosso
destino”. Também prefiro.
Minha
intuição me diz que há profundas falhas quer no teor dessas
pesquisas (e na sua motivação), quer em suas conclusões, que me
soam absurdas, embora não tenha conhecimentos e informações
suficientes para apontar o erro. Não entendo esse empenho em
apequenar o homem, amesquinhá-lo e em reduzi-lo à exclusiva
condição animal.
Concordo
com Austregésilo de Athayde quando pondera: “ Não se trata de
falta de fé na ciência, mas da verificação de que as respostas
que a ciência nos dá não satisfazem as imensas indagações
relativas à origem e ao fim do homem, à existência do Universo,
não apenas em sua natureza, como também e sobretudo à sua
finalidade”.
É
verdade que os líderes espirituais falharam, até aqui, na
apresentação de argumentos sólidos e inquestionáveis, que rebatam
essas mesquinhas teorias mecanicistas. Transformaram as religiões
(temo que todas), num mero conjunto de rituais inúteis e
desnecessários, em vez de promover ininterrupta comunhão espiritual
com o Criador desse magnífico e misterioso conjunto de mundos, que
intuo seja infinito.
Volto
à questão inicial: o que é o homem? Nenhuma resposta, dada até
hoje por cientistas, filósofos e teólogos me convenceu. Apesar de
genérica, a de André Malraux, que reproduzi no início destas
reflexões, tem lá seu fundo de verdade, embora seja contaminada por
um desnecessário e contestável adjetivo.
O
escritor francês indagou:: “O que é um homem?”. E, na
impossibilidade de uma definição exata, concluiu, simplesmente: “Um
miserável montinho de segredos”. O que poluiu e comprometeu,
porém, sua definição (paradoxalmente indefinida) foi o adjetivo.
Rebelo-me contra mais essa tentativa de desqualificar a espécie com
essa designação genérica de “miserável”.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Eu gostei inclusive do miserável.
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