Custoso aprendizado
A
leitura não consiste, como muito tolo desavisado ainda pensa, em
meramente juntar letras para formar sílabas, palavras, sentenças,
orações, períodos, capítulos e livros enfim. É um processo muito
mais complexo do que isso, que implica no pleno entendimento do que
se lê. O Brasil convive com essa tragédia (para nós, que
sobrevivemos da produção de textos e, claro, para as próprias
pessoas que estão nessas condições) que é o chamado
“analfabetismo funcional”.
A
porcentagem de analfabetos puros, que já chegou a ser de 98%,
felizmente foi reduzida para 7%. Não é o ideal, óbvio, que seria a
alfabetização universal, ou seja, que não houvesse um único
brasileiro que não soubesse ler e nem escrever, mas é inegável que
a situação melhorou muito nesse aspecto. Agora, é preciso atacar
este outro problema que é de mais difícil solução.
Afinal
de contas, o que vem a ser o “analfabeto funcional”? Esclareça-se
que o conceito varia de país para país. Na Polônia e no Canadá,
por exemplo, são classificadas como tal as pessoas que têm
escolaridade inferior a oito anos. No Brasil, está nesta condição
quem não completou o ensino fundamental, ou seja, os quatro
primeiros anos de estudo formal.
E
são muitos? Muitíssimos!!! Chegam (pasmem) a 75% das pessoas entre
os 15 e os 64 anos. Ou seja, apenas 1 em cada 4 brasileiros consegue
ler, escrever e utilizar essas habilidades para continuar estudando.
É muito pouco, pouquíssimo, não é verdade? O mais grave é que
nesse contingente estão incluídas muitas pessoas com diploma. E
estas não admitem, e se você lhes disser corre o risco até de ser
agredido, que são analfabetas, posto que funcionais. Mas são!
Como
fazer com que alguém evolua se sequer admite a necessidade desse
tipo de evolução? Para que fique claro o conceito, a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) define analfabeto funcional como toda pessoa que sabe
escrever o próprio nome, assim como lê e escreve frases simples,
efetua cálculos básicos, mas é incapaz de interpretar (e de
entender, portanto) o que lê.
Determinada
escola particular paulista (que prefiro não identificar, por não
haver sido autorizado a tal), constatou que oitenta por cento dos
alunos que haviam se matriculado na 1ª série do colegial eram
incapazes de entender sequer as instruções contidas num desses
tantos manuais que acompanham os vários aparelhos eletrônicos
vendidos no comércio. É verdade que os textos destes não são
nenhum primor de clareza. Mas a cifra é elevadíssima para quem
estudou nove anos (isso se não repetiu nenhuma vez) e, pelo visto,
não aprendeu praticamente nada.
Como
esperar que essas pessoas entendam complexos conceitos expostos pelos
grandes pensadores? Certamente, não entendem. O pior é quando se
metem a opinar sobre questões das quais não têm a menor noção. E
são inúmeros os que opinam, sem nenhum fundamento.
Infelizmente,
muita gente que passa por erudita, com vários títulos acadêmicos e
diplomas de pós-graduação, têm nível baixíssimo de compreensão
do que lê. Muitos (muitíssimos) não conseguem redigir um texto
simples, de apenas uma página, em que se expressem pelo menos com
coerência. Não estou considerando, sequer, a correção da
linguagem.
Não
raro, passamos uma vida toda lendo compulsivamente e, no entanto, não
aprendemos a ler. Somos incapazes, por exemplo, de captar sutilezas
nos textos dos bons autores. Não interpretamos, como eles
pretendiam, a fina ironia que utilizaram. Não captamos o que ficou,
apenas, inteligentemente nas entrelinhas.
Um
dos maiores gênios da literatura mundial, o alemão Johann Wolfgang
von Goethe, escreveu a esse respeito: “Muitos não sabem quanto
tempo e fadiga custa a aprender a ler. Trabalhei nisso 80 anos e não
posso dizer que o tenha conseguido”. E isso foi escrito por um dos
escritores mais completos, mais sábios e mais argutos que já
existiram.
Ler,
apenas por ler, não basta. É indispensável que a leitura seja
acompanhada de estudo, de reflexão, de comparações e de
extrapolações. “Mas isso dá muito trabalho”, dirão os
acomodados. Todavia, se não agirmos assim, poderemos viver uma
centena de anos, dedicar oitenta deles à leitura, ler dez mil livros
ou mais e, ainda assim, seremos, no fundo, no fundo, analfabetos
funcionais, posto que eruditos.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
O ensino fundamental são nove anos, dos seis aos 14 anos de idade.
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