Tapa
na cara
* Por
Urda Alice Klueger
(Escrito em 2003)
Teve
gente, em 11 de Setembro de 2001, que foi lá nos Estados Unidos e
derrubou umas torres – eu vi coisa muito mais sutil, faz
pouquíssimos dias, lá em Brasília: foi um verdadeiro tapa na cara
de um tal de George W. Bush.
Tudo
começou em 27 de Novembro passado, quando o povo brasileiro elegeu
Lula para Presidente da República. Como ser humano, como cidadã,
como historiadora e como escritora, na mesma hora fiquei doidinha
para ir até Brasília ver a posse daquele primeiro legítimo
representante do povo brasileiro a postar-se ao leme do país. Saí
perguntando: “Quem vai? Quero ir junto!”. Daqui de Blumenau, que
eu saiba até agora, não foi ninguém – mas descobri que se
organizava uma excursão daquelas bate-volta lá em Rio do Sul, e num
instante estava devidamente engajada na mesma.
Fomos.
Viajamos 30 horas de muita emoção, mas isto fica para outra
crônica. O fato é que no dia 1º de janeiro do ano da graça de
2003, por volta da uma hora da tarde, como uns 200.000 outros
brasileiros, eu estava na Esplanada dos Ministérios, em Brasília,
tentando caminhar em direção ao Congresso, para ver a posse daquele
homem que estava representando as esperanças de quase 70% de um
povo, e de mais uns vinte e tanto outros por cento também, porque
teve pobre e miserável votando contra ele porque gente metida a
sabida, mas que não se importa se as pessoas comem três vezes por
dia ou não, dizia àquelas pessoas desamparadas pela fortuna que se
votassem em Lula o Brasil ficaria igual à Argentina – e que
aquelas pessoas perderiam o nada que tinham.
Bem,
era uma da tarde de 1º de janeiro, e pela Esplanada dos Ministérios
tomei o rumo do Congresso, munida de gravador, máquina fotográfica
e binóculo. Queria chegar perto do Congresso para ver, mais adiante,
Lula sair de lá Presidente. Não deu para chegar lá – a multidão,
grande demais, foi contida pela polícia, antes que acontecessem
acidentes tipo pisoteamento, etc. E, numa quadra muito distante,
antes que Lula passasse pelo meio da multidão que era pura emoção,
eu registrei no meu gravador: “Estou com medo. Ainda bem que aqui
não é como Dallas, não tem prédios. Só os Ministérios. E eles
devem estar bem vigiados. Mas estou com medo.” E olhava
cuidadosamente, ao meu redor, para ver se não havia alguém portando
algum tipo de arma.
Mais
tarde, no ônibus de volta, soube que todos os meus companheiros
tinham pensado coisa parecida e, como eu, tinham também espiado as
suas redondezas, no medo de que algum louco estivesse no meio da
multidão.
Nós,
multidão, fomos liberados pela polícia para seguir em direção ao
Congresso, depois que Lula passou incólume no nosso meio – mas
paramos pelo caminho quando nos deparamos com os excelentes telões
instalados por todos os lados, e nos sentamos na grama, e nos
preparamos para ver aquele momento único na História do Brasil. Os
telões eram tecnologicamente tão bons que nos sentíamos como que
dentro do Congresso e, depois, no Palácio do Planalto. Cantávamos e
aplaudíamos quando as mesmas coisas aconteciam lá adiante, nos
recintos fechados, como se lá estivéssemos, e nem vou contar da
grande, IMENSA vaia que sobrou para Fernando Henrique quando entregou
a faixa e o posto.
Tá,
as solenidades todas aconteceram, e sabíamos que Lula já Presidente
viria passar em ziguezague no nosso meio, no meio da multidão. Mesmo
dentro daquela imensa emoção, eu estava muito desassossegada – e
se houvesse alguém com uma arma? Cuidadosamente, observava cada
pessoa das minhas redondezas, e pensava coisas assim: “Se ver
alguém com uma arma, jogo-me contra a pessoa, derrubo-a, faço um
escândalo.” E Lula veio e passou, maravilhoso e sorridente, e
depois soube que houve quem furasse a segurança e quase o derrubasse
do carro, mas ali por perto de mim nada aconteceu, embora fosse muito
evidente que qualquer um poderia aproximar-se do Presidente, bastava
fazer uma forcinha. Mesmo com toda aquela emoção, respirei aliviada
quando o Presidente se foi e os ares de Brasília passaram a ser
cortados pelos aviões da Esquadrilha da Fumaça.
Mais
tarde, no ônibus da volta, todos nós discutimos o assunto, e,
pasma, soube que todos tinham pensado e feito a mesma coisa que eu:
vigiado seus arredores, atentos e alertas, prontos para fazer
qualquer coisa para defender o Presidente. Houve quem se disse capaz
de jogar-se entre o Presidente se alguma arma que porventura
aparecesse, tomar um tiro que não lhe era destinado. E eu não
pensei, mas muitos outros pensaram em John Lennon, que foi morto por
um fã, e não por um inimigo.
A
grande conclusão à qual se chegou dentro daquele ônibus que rumava
na direção do Sul do Brasil foi que quem garantira a segurança do
Presidente, o tempo todo, fora o povo, aquele povo que viera de todos
os lados do país para ver a mudança para um tempo de Esperança, e
que defenderia o representante da sua Esperança até com a própria
vida, se fosse necessário. Tapa na cara de um certo Bush, que com
todo o seu sofisticadíssimo aparato de segurança, que quer incluir
até uma coisa chamada “Guerra nas Estrelas”, não tem segurança
nenhuma, e pode ter seu país detonado por qualquer um a qualquer
hora. Nosotros, acá, não precisamos de “Guerra nas
Estrelas”- temos um povo para nos dar segurança. A gente não
costuma ficar fazendo maldade para os outros – basta-nos o nosso
próprio povo para nos proteger.
E,
só para encerrar, conto mais um pouquinho sobre a discussão que
rolava dentro do ônibus. Houve quem defendesse que qualquer um de
nós faria a mesma coisa por qualquer pessoa, e se estava naquele:
“Qualquer pessoa mesmo? Tem certeza?” – quando alguém
aprofundou a discussão:
E
se a qualquer pessoa fosse o Bush?
Blumenau,
09 de Janeiro de 2003.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de
2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e
“No tempo das tangerinas” (12 edições).
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