O desamparo da perda
As
perdas, sejam quais forem, causam terríveis sensações em nossa
mente, cuja intensidade varia de acordo com o que foi perdido. Quando
se trata de um objeto de estimação, por exemplo, nos frustramos
bastante, pois não haverá nenhum similar que o substitua. E nem
precisa ser algo de alto valor pecuniário. Isso é o que menos
importa. Não se trata de contabilizar, no caso, o prejuízo
material, mas o sentimental.
Senti
isso quando perdi uma caneta que havia ganhado de uma namorada, a
quem amei com intensa paixão e cuja imagem jamais se apagou da minha
retina. O valor intrínseco desse objeto, a rigor, não era, sequer,
considerável. Na verdade, era irrisório. Dava para comprar dúzias
deles em qualquer lojinha de bairro por alguns reles cruzeiros (a
moeda da época). Não era, pois, dessas canetas que são autênticas
jóias e que, de tão preciosas, sequer ousamos utilizar naquilo para
o que elas são fabricadas: escrever. Longe disso.
Aliás,
até que era uma canetinha muito ruim, que soltava tinta em demasia e
borrava o papel. Mas, para mim, era uma preciosidade, maior do que o
diamante “Cruzeiro do Sul”. Não tinha preço. Por que? Pela
pessoa que ma havia dado. E pela gravação que continha: dois
corações entrelaçados, com nossos nomes e a palavra “Amor”.
Não haveria, pois, caneta no mundo que substituísse aquela, de
valor monetário tão irrisório.
Quem
já perdeu algum objeto de estimação, sabe do que estou falando.
Conhece essa frustração, esse desespero em procurar, procurar e
procurar, sem nunca achar. A pior sensação que fica é a de
desamparo.
Tempos
atrás, perdi um carro, quase zero quilômetro, de preço dos mais
elevados (equivalente ao custo de um bom apartamento), após um
acidente besta de trânsito, em que a família (felizmente) escapou
(milagrosamente) ilesa. Mas o veículo... Transformou-se em sucata.
Tanto que o vendi para o ferro-velho. Não compensava mandar
consertá-lo. Sairia mais barato comprar um novo, e foi o que fiz.
Claro
que lamentei o prejuízo, nada pequeno (não sou desses malucos que
saem por aí rasgando dinheiro). Mas a lamentação nem durou muito
tempo. Passou logo, uns parcos dez a quinze dias, se tanto.
Consolei-me, acima de tudo, com o fato de que ninguém se feriu.
Quanto
ao prejuízo material... Pensei, comigo, “estou vivo, tenho saúde,
sou competente no que faço e vou recuperar, em três tempos, a
perda”. E recuperei, sem mais lamentações. Sequer me senti
desamparado. A sensação de perda não foi, nem de longe, parecida
com a que tive com o desaparecimento da tal canetinha, que não
valia, sequer, o equivalente ao preço do acendedor de cigarros do
veículo.
Se
perder um objeto de estimação já nos causa tanto sofrimento e
frustração, imaginem o que é ficar sem uma pessoa que amamos sem
restrições! Quando a perdemos por mera separação, decorrente
dessas briguinhas bestas, que poderiam ser evitadas (e que quase
nunca são) e que na hora não nos damos conta das conseqüências
que terão, a sensação é horrível, o desamparo é imenso, mas
ainda temos um consolo. Resta-nos a esperança da reconquista (que
quase nunca ocorre), a nos atenuar as mágoas.
O
duro é a perda em decorrência de morte. Essa nós sabemos que é
irreversível. Por mais que desejemos, por mais que façamos, por
maiores que sejam o nosso empenho, a nossa esperança e a nossa fé,
logo nos conscientizamos que é tudo inútil. Essa perda não tem
volta. Por mais que eu tente, não consigo descrever, sequer
proximamente, a sensação que nos acomete nessas circunstâncias. Só
posso assegurar que é a pior que conheço! .
Sigmund
Freud escreveu, se não me falha a memória em carta à filha Anna:
“Nós nunca somos tão desamparadamente infelizes como quando
perdemos um amor”. E nunca mesmo. E notem que ele nem especificou a
natureza da perda. Não disse se estava se referido à decorrente da
morte da amada ou à da separação, pura e simples, causada por
eventual briga ou, o que é muito pior, por termos sido preteridos
por outra pessoa.
Neste
último caso, a sensação, claro, é muitíssimo pior. Junta-se um
conjunto de emoções ruins, como ciúmes, amor próprio ferido,
despeito e tantos e tantos outros sentimentos amargos e negativos,
além do tremendo vazio que fica, provocado pela ausência de quem
amamos de paixão.
Isso
tudo me remete aos seguintes versos, do excelente poeta maranhense,
Luís Augusto Cassas, que integram seu poema “Da bioquímica do
amor”:
“amor
ó amor
quanto
mais te rebaixam
à
impura anilina
fabricas
na bilirrubina
a
própria vacina!”.
Pena
que não haja como nos vacinar contra a sensação do mais absoluto
desamparo causado pela perda de alguém que elegemos para ser nossa
parceira e cúmplice pelo resto da nossa vida.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Quantas lembranças seu texto me suscitou. Viver é perder um pouco todos os dias.
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