A brincadeira mais divertida
A
criança que um dia fomos permanece dentro de nós enquanto vivermos.
Sei que, ao fazer essa afirmativa, não disse nada de original,
inteligente ou criativo e nem essa era a minha intenção. Isso já
foi dito tantas vezes, por tantas e diferentes pessoas, que já se
transformou em clichê. Todavia, como isso serve aos meus propósitos,
no tema em que o convido a refletir comigo, uso-o sem nenhum
constrangimento.
E
por que me vali de uma afirmação tão surrada, constante e,
sobretudo, óbvia? Para chamar a atenção para um comportamento
amplamente disseminado mundo afora e não somente entre crianças e
adolescentes, mas também (sinto-me tentado a dizer principalmente)
entre adultos e pessoas idosas. Refiro-me às brincadeiras,
características de ambientes que agrupem várias pessoas (trabalho,
escola, clubes, círculos literários etc.).
São
aquelas “caçoadas”, que se pretende inocentes, mas que, não
raro (para não dizer sempre) escondem razoável dose de veneno. Se
alguém está pensando que isso acontece apenas entre meninos ou
adolescentes, é porque não observa o próprio comportamento e muito
menos o que ocorre ao seu redor. Até em asilos de idosos isso
acontece e sempre com a mesma conotação. Pretende-se que seja uma
ação inocente, sem intenção alguma de ofender. Será?
Os
apelidos não são outras coisas senão brincadeiras. O melhor método
para eles “colarem”, o caminho mais seguro para que isso ocorra,
é os apelidados se mostrarem incomodados com eles. Quanto mais ficam
bravos com os epítetos que lhes são atribuídos, maior força esses
ganham. Há pessoas que carregam apelidos de infância pelo resto da
vida. Muitas sequer são conhecidas pelo nome verdadeiro, aquele que
lhes foi atribuído pelos pais ao nascerem.
E
experimente se rebelar contra alguma dessas “brincadeiras!” que
fizerem com você, mesmo que sejam de notório péssimo gosto! O
vilão da história não será, jamais, quem caçoou de você, mas
você “que não sabe brincar”. Farão com que se sinta um
estranho no ninho, o indesejável dos indesejáveis, apenas por
tentar salvaguardar o amor próprio.
Diga
com sinceridade: não é o que você vê (e talvez faça) amiúde nos
ambientes que freqüenta? Não seja mentiroso e nem hipócrita,
admita. É o comportamento mais comum que existe e, reitero, não
importa a idade que as pessoas tenham. Claro, para que isso aconteça,
é necessário que haja certo grau de intimidade no ambiente.
Você,
certamente, não sairá pelos corredores de onde trabalha apelidando,
a torto e a direito, o presidente da empresa da qual é empregado. Se
o fizer, já sabe o que irá acontecer. Terá que preparar
convenientemente os fundilhos das calças para receber um solene
pontapé no traseiro e procurar urgentemente seu currículo para
buscar novo emprego. Mas com os colegas de trabalho você brinca, e o
tempo todo, e a brincadeira lhe parece ainda mais divertida se a
vítima se chateia com ela.
Mesmo
as caçoadas (aparentemente) mais inocentes escondem juízos de
valores de quem brinca com você. Determinadas coisas, que as pessoas
não teriam a menor coragem de dizer a sério, dizem-nas brincando.
Se você já estiver acostumado com isso, engolirá a seco o que for
dito a seu respeito e preparará, com certeza, a desforra, na mesma
medida ou, se possível, com maior intensidade, mas no mesmo tom de
“brincadeira”.
Tempos
atrás, quando expus aos colegas de redação do jornal em que então
trabalhava o meu programa diário de vida, sem tempo sequer para
respirar, um deles se voltou para mim e disse, sorrindo: “Você é
louco, Pedrão!”. Dissesse isso a sério, certamente eu o agarraria
pelos colarinhos e lhe daria uns bons tapas, para aprender a se
comportar e a não caluniar os outros. Mas não, ele disse
“brincando”. Claro que dei um sorriso amarelo, embora desse a
entender que ignorei essa observação, e retruquei-lhe na mesma
moeda, chamando-o de vagabundo.
Para
uma pessoa de brio, isso seria motivo mais do que suficiente para nos
engalfinharmos, em selvagem troca de sopapos. Mas foi o que
aconteceu? Claro que não! Fiz-lhe essa ofensa em tom de
“brincadeira” e ficou o dito pelo não dito. Tudo terminou em
barulhentas gargalhadas (para irritação do sisudo e irritado
editor-chefe) no fumódromo do jornal, onde fazíamos uma pausa para
suportar o restante da edição.
E
esse comportamento não é recente. Não é coisa desta geração e
nem das pelo menos dez que a antecederam. É antigo, antiqüíssimo,
impossível de ter as origens determinadas. Tanto que o escritor
George Bernard Shaw escreveu a respeito: “A minha maneira de
brincar é dizer a verdade. É a brincadeira mais divertida do
mundo”. Será que há alguém que não proceda assim? Se vocês
conhecerem quem, por favor, apresentem-me essa raridade, que será
personagem ideal para uma boa matéria de comportamento. Talvez
receba, até mesmo, o troféu de “Santo do Ano”, quem sabe.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Um jornalista de Montes Claros, morto há quase 3 anos, tinha por apelido a palavra "Peré", redução de Perereca. Poucos sabiam que ele tinha o nome de Luiz Carlos Novais. Nunca ouvi falar que tivesse raiva do apelido, e até colecionava sapos. Escreveu um livro chamado "Sapo na muda", talvez uma resposta ao apelido de infância.
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