O porquê das eleições diretas já
Todos
reconhecem que estamos mergulhados numa profunda crise, das mais
graves de nossa história, porque recobre todos os âmbitos da vida
social e particular. O fato da crise significa que perdemos as
estrelas-guia e nos encontramos num voo cego, sem saber para onde
vamos. Ninguém hoje pode dizer o que será o Brasil nos próximos
meses. Por isso não é verdadeira a afirmação de que as
instituições estão funcionando. Se funcionassem não haveria
crise. Elas funcionam para alguns e para outros são completamente
disfuncionais, especialmente, para a grande maioria do povo, vítima
de reformas sociais que vão contra seus anelos mais profundos e,
pior, que implicam a retirada de direitos e de conquistas históricas,
como previstas nas reformas trabalhista e previdenciária.
O
fato é agravado pela ilegitimidade do Presidente, cuja legalidade é
discutida e para muitos, consequência de um golpe parlamentar por
trás do qual se ocultam, como em outras ocasiões, as
oligarquias econômicas e os endinheirados rentistas que controlam
grande parte da economia nacional e que veem ameaçada a sua
acumulação perversa.
Ninguém
pode negar que estamos mergulhados num caos político que se revela
pelo esgarçamento dos limites dos três poderes da República, um
invadindo a esfera do outro. Os procuradores, os juízes e as forças
policiais que operam a Lava Jato passam por cima de preceitos
constitucionais, alguns sagrados em todas as tradições jurídicas
desde o tempo do Código de Hamurabi (1772 a.C) que é a
presunção de inocência. As investigações da Lava Jato e as
delações premiadas puseram à luz do dia o que grassava há dezenas
de anos: a rede de corrupção que tomou conta do Estado, das grandes
corporações e dos parlamentares, em sua maioria eleitos pelas
grandes empresas, representando mais os interesses delas e menos
os do povo.
Chegamos
a um ponto crítico que temos à frente do poder executivo um
Presidente acusado de corrupção, cercado de ministros, em grande
parte denunciados e corruptos. Tanto o parlamento quanto o
Presidente perderam totalmente a credibilidade que se revela pelos
baixíssimos índices de aprovação popular.
O
Presidente não mostra nenhuma grandeza, vítima da própria
mediocridade e ilimitada vaidade. Aferra-se ao poder, sabendo da
desgraça que isso representa para o povo e a desmoralização
completa da atividade política. Caso renuncie ou perca o cargo no
processo no TSE, invoca-se o artigo 81 da Constituição – que não
é cláusula pétrea como querem alguns – que prevê a eleição
indireta do Presidente pelo Congresso.
Das
ruas e de todos os estratos vem a grita: que legitimidade possui um
congresso, quando grande parte dele é constituída por denunciados
por crimes de corrução? Cresce dia a dia o reclamo por eleições
diretas já, não só do Presidente mas também de todos os
parlamentares. Portanto eleições diretas gerais e já.
Quando
vigora um caos politico e sem lideranças com capacidade de mostrar
uma direção, a solução mais sensata é voltar ao primeiro artigo
da constituição que reza:”todo poder emana do povo”. Ele
constitui o sujeito legítimo do poder político, o detentor da
verdadeira soberania. Todos os eleitos são representantes
legitimados por este poder. Como diz o conhecido jurista Nicola
Matteucci da Universidade Bolonha:”A soberania é um poder
constituinte, o verdadeiro poder último, supremo, originário… que
se manifesta somente quando é quebrada a unidade e coesão
social”(Dicionário de Política, Brasília 1986, p.1185).
Ora,
nós estamos diante da quebra da unidade e da coesão social.
Não há mais nada que nos una, nem nos partidos, nem na sociedade.
Tudo pode ocorrer como uma explosão social violenta, não excluída
uma intervenção militar, já ensaiada nas manifestações populares
de Brasília no dia 25 de maio.
Quando
ocorre tal caos social, é a soberania popular que deve ser invocada
e fazer-se valer. Esta é prévia à Constituição que prevê
eleições apenas em 2018. Aqui está a base para se convocar
eleições diretas já. Nossa Constituição está coberta de
bandaids, tantas foram as emendas que equivalem quase a metade de seu
texto. Uma nova emenda constitucional está sendo preparada que prevê
a antecipação das eleições gerais ainda para este ano. Estas não
poderiam ser apenas do Presidente, mas de todos os representantes
políticos. Que autoridade teria um Presidente, eleito indiretamente,
ou mesmo, diretamente, mantido o atual Parlamento, eivado de má
vontade e desmoralizado pelas acusações de corrupção? Junto a
esta eleição direta, viria uma reforma política mínima que
introduzisse a cláusula de barreira partidária e regulasse as
coligações para evitar um presidencialismo de coalizão que
favoreceu a lógica das negociatas e da corrupção e por isso não é
mais recomendável. Esse caminho seria o mais viável e precisamos
apoiá-lo.
*
Leonardo Boff é teólogo e autor de “Tempo de Transcendência: o
ser humano como projeto infinito”, “Cuidar da Terra-Proteger a
vida” (Record, 2010) e “A oração de São Francisco”, Vozes
(2009 e 2010), entre outros tantos livros de sucesso. Escreveu, com
Mark Hathway, “The Tao of Liberation exploring the ecology on
transformation”, “Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz”
(Vozes, 2009). Foi observador na COP-16, realizada recentemente em
Cancun, no México.
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