O nosso dicionário
“A
vida é o nosso dicionário”, eu disse, um dia desses, a um jovem
amigo, sem revelar, contudo, que essas palavras não eram minhas, mas
do filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson, no seu livro
“Ensaios”, para que ele não pensasse que eu queria me exibir,
mostrando certa erudição (que, modéstia a parte, até que tenho).
Minha intenção, asseguro, não era essa.
Meu
intento não era o de impressionar o jovem admirador e nem deixá-lo
constrangido. A citação veio a propósito da necessidade de
recorrermos, com assiduidade, ao dicionário, para expandirmos nosso
acervo de palavras e, sobretudo, para entendermos cada uma delas,
utilizando-as no devido contexto e não sair por aí dizendo coisas
que não compreendemos, apenas para exibir conhecimento que de fato
não tenhamos.
O
filósofo estava mais do que certo em sua afirmação. Aprendemos
palavras (sem sequer nos darmos conta) de forma natural, através da
vivência, das circunstâncias que surgem à nossa frente, dos
relacionamentos de vários tipos (quer afetivos, quer profissionais,
sociais etc.).
Essa
é a melhor forma (depois da leitura de bons livros, claro) de
adquirirmos vasto e rico vocabulário: correto, pertinente e adequado
para qualquer situação. Ou seja, vivendo e, por conseqüência,
adquirindo esse bem valioso, mas que muitos não sabem como utilizar,
que é a experiência.
Emerson,
além de dotado de peculiar capacidade de raciocínio (foi um gênio
na sua especialidade), era um sujeito muito observador. Seu objeto de
estudo foi o homem, com sua grandeza, fraquezas e fragilidades.
Aprendeu a maior parte do que sabia não da leitura (embora fosse
compulsivo leitor), mas da vivência. A vida foi a sua grande escola
(e é a de todos nós, embora muitos teimem em não aprender as
lições que ela tem a nos ensinar).
A
propósito do tema referente a vocabulário, escreveu, num dos
memoráveis textos do livro que citei: “Os anos foram bem gastos
quando os demos aos trabalhos do campo, ou ao comércio, às
manufaturas, às relações sinceras com grande número de homens e
mulheres (...) isto com o único fim de aprender em todas suas
realidades uma linguagem capaz de ilustrar e de encarnar as nossas
percepções. A pobreza ou a riqueza do discurso de quem fala
ensina-me imediatamente em que medida ele já viveu”.
Muitos
levam vidas sombrias, tediosas, vazias e amargas, por medo de se
expor. Evitam os relacionamentos, temendo se ferir. Omitem-se das
grandes causas, deixando, invariavelmente, aos outros as tarefas que
lhes compete executar. Mergulham de cabeça numa tediosa rotina,
encaram o trabalho como castigo, quando não maldição, e marcam
passo em empreguinhos medíocres, muito aquém do seu potencial, que
não desenvolvem por carecerem de vontade.
Estes,
passam a vida a se lamentar. Imaginam doenças, para chamar a atenção
dos outros, mediante o humilhante sentimento da piedade que procuram,
mesmo que inconscientemente, despertar. E de tanto imaginarem
moléstias, acabam, de fato, adoecendo e se constituindo em pesos
mortos para a família e para a sociedade.
Há
muitas e muitas e muitas pessoas com essas características.
Percebemo-las tão logo abrem a boca, pela pobreza do seu
vocabulário. Ou então, pela utilização de palavras fora do devido
contexto, o que indica que as leram em algum texto qualquer, mas
passaram longe de entender o significado.
Estudos
indicam que cerca de 65% das doenças que abarrotam hospitais e
consultórios médicos são de fundo psicossomático. Ou seja –
fugindo dos eufemismos e trocando em miúdos – são “imaginárias”.
Estivessem, essas pessoas, empenhadas em atividades úteis e
produtivas, não teriam tempo para essas elucubrações negativas.
Boa
parte dos medicamentos que os médicos receitam para esses pacientes
são placebos. Ou seja, são constituídos de substâncias neutras,
que nem beneficiam e nem prejudicam o organismo. E faz sentido.
Afinal, a origem dos seus males não está no corpo, mas em suas
cabeças desorientadas. Estas, portanto, é que têm que ser
tratadas.
Para
sabermos muitas coisas, de fato, mas em profundidade e não apenas de
forma superficial, temos que vivê-las. Não importa que o nosso
trabalho seja considerado “menor”, desde que seja útil. Quem
pode afirmar, por exemplo, que a função do lixeiro não é nobre?
Deixe uma cidade sem ele para ver o que acontece!
Portanto,
meu jovem amigo, siga os conselhos de Emerson, que sabia o que dizia.
“Gaste” bem os seus anos, de forma proveitosa e coerente, para
não se arrepender quando eles estiverem próximos de se esgotar. E
faça da vida, desta mestra infalível e justa, o seu mais erudito e
mais completo dicionário.
Boa
leitura!
O
Editor.
Estou fazendo isso há algum tempo, vivendo atentamente, conscientemente e intensamente, mas o meu rol de doenças só aumenta. Minha melhor terapia é delas falar, para em seguida, me sentir melhor. Não acredito que busque piedade ou chamar a atenção. Em mim a somatização existe, mas não é causa, é consequência. Culpar o doente por seus males é culpar quem não tem culpa, e isso aumenta o sofrimento, não ajudando a ninguém.
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