Não está na cara
*
Por Rosana Hermann
Assim que entramos em contato
com uma pessoa começamos a escaneá-la. Os inputs dos sentidos são
imediatamente enviados para nosso cérebro. Começa um processamento
de altíssima velocidade em busca de reconhecimento de dados.
Conhecemos esta pessoa? Ela se parece com alguém que já temos no
nosso banco? Num átimo tiramos algumas conclusões sobre ela. E é
aí que está o problema. Nossos softwares estão cheios de bugs,
como pré-conceitos, juízos de valores, más impressões e
experiências anteriores, que afetam o resultado. As chances de
errarmos nas nossas conclusões precipitadas e mal-formadas é
grande. E o que normalmente acontece é que nos surpreendemos ou nos
decepcionamos facilmente.
A decepção é triste, mas
tem um atenuante a nosso favor. Pelo menos fomos positivos e
otimistas em relação a alguém. Já a surpresa mostra o quanto
somos cruéis com o julgamento pelas aparências. Porque a maioria
das competências não está na cara. Nem no corpo. É o famoso ‘eu
não dava nada por ele’. Mas quando você descobre, aquele carinha
magrinho com cara de bobo que você viu na entrada do hospital era
justamente o cirurgião que salvaria a vida da sua mãe.
Nunca se sabe se aquela moça
sentada ao seu lado no metrô é a balconista da loja, a gerente, a
assistente da veterinária ou a primeira violinista da orquestra
municipal. Em geral, a primeira classificação que fazemos é por
status social. E julgamos que artistas de televisão, rádio ou
qualquer outra pessoa que sai nas revistas de fofocas não estaria
jamais num meio público de transporte. O que nem sempre é verdade.
Ultimamente, tem acontecido
muito comigo, por conta da minha mais ou menos avançada idade. Sou
uma mulher madura, caminhando para o apodrecimento, mais pra Marlene
Mattos que pra Xuxa, muito mais pra atriz Maria Alice Vergueiro do
Tapa na Pantera do que para Daniela Cicarelli. Por conta da minha
aparência externa o julgamento que produzo é muito mais ligado às
artes culinárias do que às ciências da computação. E, no
entanto, sou uma blogueira ativa, ratazana de Internet, totalmente
ligada no mundo cyber. Esta disparidade entre a forma e o conteúdo
tem causado reações sistemáticas do mundo em relação a mim.
Chego para uma entrevista, uma palestra, uma apresentação qualquer
sobre blogs e percebo que há uma decepção inicial. Como? Quem
trouxe essa dona-de-casa pra falar de blog? Será que ela veio dizer
que o filho adolescente não pode vir? Passado o impacto, sinto que
as coisas mudam. E ao terminar o compromisso, sempre tem alguém
sorrindo para mim com aquela expressão de ‘muito bem!’, parecida
com a que ofereço a meu cachorro quando ele traz a bola de volta.
Não é bom julgar pelas
aparências. Não dá certo. É chato para todos os envolvidos.
Melhor mesmo é não ter muitas expectativas em relação a nada nem
ninguém e apenas aguardar o tempo de exposição a outro ser humano
para perceber aos poucos a que o outro veio. Dói menos, incomoda
menos e, sobretudo, evita grandes sobressaltos entre a surpresa e a
decepção. E, você sabe, para viver bem e bastante, não se pode
exigir demais do pobre coração.
*Rosana Hermann é Mestre
em Física Nuclear pela USP de formação, escriba de profissão,
humorista por vocação, blogueira por opção e, mediante pagamento,
apresentadora de televisão.
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