Reinvenção noutra pessoa
A vida é uma escola, na qual
nos matriculamos tão logo nascemos e em que nunca chegamos a nos
diplomar. Partimos – não sei quando, para não sei onde – com
uma infinidade de dúvidas, de incertezas e de contradições, enfim,
de lições a aprender. Alguns, aprendem os princípios básicos da
felicidade e da alegria com maior rapidez. Vivem sem grandes traumas
e sem sofrimentos que sejam evitáveis. A maioria é.
Outros tantos (diria quase
todos) trocam os pés pelas mãos, confundem e complicam as coisas
mais simples, e não conseguem sair do lugar, quando não retrocedem.
Encaram o mundo com desconfiança, reservas e hostilidade. Tardam a
aprender, ou não aprendem nunca, os princípios básicos da
felicidade e da alegria. E se dão mal. Conquistam, sem esforço, a
“carteirinha” do clube dos infelizes renitentes, que conta com
bilhões de associados mundo e tempo afora..
A principal lição que nos
compete aprender na escola da vida é a arte de amar. A princípio,
vista de fora, parece simples e óbvia e até rimos das trapalhadas
dos que vivem experiências amorosas que não conseguem sustentar por
muito tempo. Achamos que se estivéssemos em seu lugar, faríamos
isso e mais aquilo, e deixaríamos de fazer aquiloutro e aquiloutro.
Mas quando chega a nossa vez...
Ninguém é mestre na arte do
amor. Somos todos aprendizes, uns mais aplicados e serenos, outros
mais relapsos e afoitos. Alguns, sentem-se e agem como proprietários
da pessoa amada e se arrogam no direito de ditar-lhe regras,
comportamentos, gostos etc. Não passam de trapalhões. Subitamente,
ocorre a conseqüência lógica dessa insânia: a perda. Não raro
isso acontece num cenário não apenas de drama, mas via de regra,
até de tragédia.
Já afirmei, inúmeras vezes,
que gosto de ler e de escrever sobre o amor, embora me enquadrando na
categoria dos amantes que pouco entendem dessa arte, useiro e vezeiro
em perpetrar monumentais trapalhadas. Às vezes, deixo o tema de
lado, convicto de não ter nada de proveitoso ou de minimamente
inteligente a dizer a propósito. Todavia, sou instado, convocado,
compelido, coagido até, pelos tantos que me honram com sua leitura,
a voltar ao assunto. Talvez eles aprendam algumas coisas com as
minhas trapalhadas. Ou, quem sabe, se divirtam com as bobagens que
cometo.
Foram inúmeras as ocasiões
em que me pediram definições sobre o amor. Tentei, tentei, tentei,
mas nenhuma das que elaborei me convenceu. Senti-as retóricas,
bombásticas, exageradas, despidas de conteúdo, enfeitadas demais,
que mais lembravam uma caricatura (quando não a maquiagem
propositalmente carregada de um palhaço) do que a competente
arrumação de bom gosto de alguma bela e grande dama. Fui, portanto,
buscá-las alhures, em poetas e escritores tidos e havidos como
competentes retratistas desse maiúsculo sentimento.
Uma das definições mais
pitorescas que já li sobre o amor, é a que o classifica como uma
espécie de “reinvenção” de nós mesmos. Ponderei a respeito e
concordei, a priori, com ela. Passamos, mesmo, a vida “inventando”
um personagem original e único, com gostos, vontades, emoções e
experiências característicos.
Subitamente, lá um certo dia,
encontramos alguém que nos faz mudar os rumos e põe nossos
sentimentos e pensamentos de pernas para o ar. Transforma-nos, sem
que nos apercebamos, num outro alguém. Assumimos outros gostos e
vontades que não os que tínhamos antes de nos apaixonarmos.
Passamos a viver,
simultaneamente, duas vidas (e tendemos a gerar uma terceira),
pensando e sentindo como a pessoa que amamos. Quem definiu o amor
dessa forma foi a escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís, que
escreveu: “Que é amar senão inventar-se a gente noutros gostos e
vontades? Perder o sentimento de existir e ser com delícia a
condição de outro, com seus erros que nos convencem mais do que a
perfeição?”
Essa “reinvenção”,
porém, tem que ser espontânea. Esse nosso desejo, e mais do que
isso, compulsão por nos identificarmos com a pessoa amada, tem que
partir do íntimo, até sem que nos apercebamos. Caso contrário...
voltaremos àquela história de algum dos parceiros sentir-se e agir
como “proprietário” do outro. Aí... todos sabemos, ora por
experiência própria, ora por observação dos outros, que a coisa
não funciona. Desemboca em dramalhões lacrimosos, quando não em
sangrentas tragédias.
O amor, ah o amor! Quão
delicioso é e quantas complicações nos traz! Creio que um dos
segredos para durar, enquanto nós também durarmos, é jamais
nutrirmos o sentimento de “posse” da pessoa amada (mesmo que a
possuirmos, física, afetiva e espiritualmente). É manter sempre
acesa a chama do desejo. É querer sempre mais, e mais e mais da
parceira que nos atrai. Porquanto, como o escritor português
Casimiro Brito lembra, com muita pertinência: “Apodrece na posse o
que floresce no desejo”. E, cá para nós, ninguém quer manter
consigo algo podre, mesmo que se trate, apenas, de um sentimento.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Nenhum comentário:
Postar um comentário