Presunção e desconfiança
As
pessoas que passam, casualmente ou não, por nossas vidas – a
maioria sem deixar a mínima marca da sua passagem – são
incontáveis. Muitas, no entanto, tornam-se fundamentais, quando não
decisivas, para nós, no aspecto positivo ou no negativo. Algumas nos
despertam amor, outras ira, outras, ainda, piedade e assim por
diante.
A
importância da nossa postura, nesses relacionamentos, mesmo que
fortuitos, é fundamental. Tanto podemos ser decisivos na vida de
alguém, imprescindíveis para a sua felicidade, quanto nos
constituirmos em uma grande desgraça para ele. Daí a necessidade de
sermos sempre gentis, solidários, construtivos e bem-humorados.
Mas
há pessoas que são afetadas por natureza e procuram mostrar,
invariavelmente – em conversas e, principalmente, em atos – que
são mais do que de fato são. A todo o momento, caem em ridículo,
mas não se emendam. Continuam achando que são superiores a tudo e a
todos. Quando alertadas a respeito, mostram afetação ainda maior,
tornando-se desagradáveis, ou melhor, insuportáveis, e nem se dão
conta disso. São o que o vulgo chama de “chatos”. Pedantes,
convencidas, essas pessoas assumem ares de oniscientes e irritam o
mais calmo dos calmos cidadãos.
Haveria
como determinar tipos de personalidade, como o ideal e o pernicioso?
Existe alguma forma do indivíduo moldar seu caráter ou este é
produto da educação e do meio em que vive e, portanto, mera
fatalidade? As opiniões a respeito divergem. Muitos educadores
entendem que a moldagem do caráter e, principalmente, da
personalidade, é possível e a vontade tem um papel determinante
nessa tarefa. Outros, por sua vez, acham que não. Prefiro ficar
neutro nessa questão.
Há
dois tipos de pessoas particularmente muito desagradáveis e cuja
companhia procuro evitar, sempre que posso: o presunçoso e o
desconfiado. O primeiro é o sujeito arrogante que acha que sabe tudo
e que é melhor do que os outros. O segundo, desconfia de tudo e de
todos e, claro, é um solitário, já que ninguém aceita ser
companheiro de quem desconfie dele.
O
filósofo estoico grego Epicteto, que passou a maior parte da sua
vida em Roma, chegou ao exagero de afirmar: “Para que o homem fosse
perfeito, seria bastante lhe tirar duas coisas: a presunção e a
desconfiança”. Há duas falhas básicas em seu raciocínio.
Primeira: a perfeição é interdita ao homem. Ninguém é, foi ou
será perfeito, pode-se afirmar com segurança. Segunda: há defeitos
muito mais graves do que esses, impedindo as pessoas de serem
perfeitas.
Mas
de uma coisa não tenho dúvidas: extirpando-se estas duas
deficiências de caráter, o homem seria muito melhor do que é. Ai
dos arrogantes, que se julgam donos da verdade! Ai dos convencidos,
que acham que são proprietários do mundo, se alienando da
realidade! Ai dos que vivem com o nariz empinado, arrotando uma auto
suficiência que na verdade não possuem! Estes vão aprender lições
de humildade por métodos mais dolorosos do que pensam.
É
verdade que julgar emoções alheias só por reações externas, como
gestos, expressões e, principalmente, palavras, é inútil e não
raro nos leva a cometer injustiças. Elogios enfáticos, por exemplo,
que, muitas vezes, recebemos pelo que somos ou fazemos, nem sempre
(ou quase nunca) refletem os reais sentimentos dos que elogiam.
Carecem de sinceridade, mas não temos como saber se são sinceros ou
falsos.
Não
raro o que não diz nada a nosso respeito, e que parece ter
permanecido indiferente à nossa pessoa e nossos feitos, é
exatamente o que mais os apreciou e valorizou. Anos depois,
descobrimos isso. Mas já pode ser tarde para repararmos a injustiça
de havermos pensado mal do nosso real (e às vezes único) admirador.
O
poeta dominicano, Fábio Fiallo, compôs estes enfáticos versos, no
poema “Menos eu”, que ilustram a caráter a inadequação do
julgamento de uma pessoa apenas por seus gestos exteriores:
“Deslumbradora
de beleza e graça,
no
átrio do templo apareceu,
e
todos, à passagem, se inclinaram,
menos
eu.
E
tranqüilo, depois, indiferente,
à
sua morada cada qual voltou,
e
indiferentes vivem e tranqüilos,
todos,
todos menos eu”.
Pois
é, há ocasiões em que “todos” se curvam ante o presunçoso,
inflando em demasia o seu ego. Há situações em que “todos” dão
certo desconto aos desconfiados, por entenderem que o cotidiano não
comporta irrestrita confiança em ninguém. Confiar, por completo, é
perigoso mesmo, embora achemos que conhecemos bem as pessoas em que
confiamos. Nunca conhecemos. Todos podem adotar essa atitude, em
determinadas circunstâncias. Todos... menos eu! E quem pode me
garantir que não estou sendo presunçoso e desconfiado? Ou assegurar
o contrário?
Boa
leitura!
O
Editor.
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