O
que significa Franklimberg em tupi?
* Por
José Ribamar Bessa Freire
“Os
olhos levantai, vede essas Feras, (Pois serem racionais, só a
forma indica)”. Henrique
João Wilkens, A Muhraida, 1785
O
general Franklimberg Ribeiro de Freitas é o novo presidente da
Funai, nomeado por portaria assinada nesta terça (09) pelo
ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, conhecido nas planilhas
de propinas da Odebrecht pelo codinome “Fodão” ou "Bicuira".
Todo mundo sabe que no nome de uma pessoa está traçado o seu
destino. Ou no codinome, que às vezes corrige o nome. Para os
guarani, as crianças já nascem predestinadas com um nome definido
pelo lugar de onde procede sua alma. É preciso, pois, recorrer à
Antroponímia, à Onomástica e a Codinomística, que nos permitem
fazer leitura cuidadosa do nome para identificar suas qualidades
individuais e prever como será a vida do seu portador.
Quando
o general Ismarth Oliveira assumiu a presidência da Funai, em 1974,
em plena ditadura, um codinomista gaiato fez blague, prevenindo os
índios que nas línguas tupi “is-” era sai e
“-marth”,debaixo. O
gracejo matou o que viu, atirando no que não viu. Não deu outra.
Impiedoso com os povos para cuja defesa recebia um gordo salário,
Ismarth foi chamado de genocida por Davi Kopenawa, que o
responsabilizou pelas mortes de muitos Yanomami: “Eu tinha 8, 9
anos, na época. Sou contra um general na Funai”.
Portanto,
para conhecer o destino dos índios sob a presidência de outro
general na Funai, cabe perguntar o que Franklimberg significa em
algumas línguas da família Tupi-Guarani. A resposta nos permitirá
saber de onde procede sua alma e prever sua trajetória à frente do
órgão. Defenderá os direitos constitucionais dos índios como
manda a lei e, dessa forma, teremos um novo marechal Rondon cujo lema
era “morrer, se for preciso, matar nunca”? Ou será um mero
capacho do agronegócio e do grande capital, cujo lema é “matar
mesmo se não for preciso”?
Sem
fé e sem lei
O
Departamento de Pesquisa do Taquiprati saiu em campo para iluminar os
leitores. Queimamos a mufa na busca da resposta. Recorremos a
dicionários e gramáticas das línguas tupis, consultamos aryons,
ruths, franchettos, candinhas e carlotas. Acontece que o nome do
general é cheio de “efes” e “erres” e, de acordo com o
cronista português Pero de Magalhães de Gândavo, em 1574, a língua
geral, falada no litoral brasileiro, “carece
de três letras, não se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna de
espanto porque assim
não tem Fé, nem Lei, nem Rei”.
Em compensação, não tem também franklimberg.
Objetar-se-á
que o cronista lusitano, preconceituoso e glotocêntrico, considerava
que os sons de sua língua são universais e deviam existir em todas
as demais, além de confundir sons com letras ao transformar um dado
fonético em alfabético. De qualquer forma, não será nas línguas
tupis que encontraremos o caminho para destrinchar o significado de
Franklimberg. Quem acabou nos dando a chave para continuar a pesquisa
foi o ministro da Justiça Osmar Serraglio (PMDB-PR vixe vixe), o
“despachante do agronegócio no Planalto”, segundo Antonio Costa,
presidente por ele demitido da Funai.
Serraglio,
o despachante, que dias antes havia publicamente desqualificado os
índios Gamela do Maranhão como “supostos indígenas”, buscou
dar legitimidade ao general Franklimberg, indicado pelo mesmo PSC
(tri-vixe) jurando que se tratava de alguém pertencente à etnia
Mura. Foi ai que ficamos sabendo, através da matéria da Amazônia
Real assinada
por Elaize Farias, com a colaboração de Katia Brasil, que o
general, nascido em Manaus em 1956, havia dito que era “descendente
de índio, sem especificar a etnia e que sua família era de Codajás,
no Amazonas”.
A
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em nota,
repudiou a nomeação do general Franklimberg, não o reconhecendo
como índio, apesar de que não é isso que importa e sim a serviço
de quem ele está. A nota acusa o governo Temer de “promover
a militarização da Funai como nos tempos da ditadura militar, a
fragilização total do órgão e a perspectiva de mudança nos
procedimentos de demarcação de terras indígenas”.
Nena
Mura
No
entanto, um grupo de indígenas vinculados à bancada evangélica,
que se reunia periodicamente com o PSC (vixe vixe) e com seu
presidente, o pastor Everaldo Nascimento, jura que o general é índio
mesmo. Até a querida Silvia Nobre Waiãpi, a quem respeito e que é
oficial do Exército, assina embaixo. Desta forma talvez estejam
interpretando por vias tortas o nosso grande frasista e antropólogo
Viveiros de Castro: “No Brasil todo mundo é índio, exceto quem
não é”. Ou seja, o general é, como todo mundo, se e quando o
poder achar conveniente que seja, caso contrário, cai na rede do
"exceto quem não é". Mas nas redes sociais já
divulgaram, inclusive, que o nome indígena de Franklimberg é Nena
Mura.
Êpa!
Nena Mura? É por isso que não conseguíamos decifrar o nome do
general. Estávamos procurando por Franklimberg em línguas tupi,
quando devíamos buscar Nena no idioma Mura, uma língua isolada, sem
parentesco com outras, descrita pelos especialistas como “uma
língua tonal, na qual significados são estabelecidos eminentemente
a partir de relações de tons e até por meio de assovios”.
Foi
o que fizemos. Redirecionamos nossas pesquisas, que desembocou em um
enfoque interdisciplinar envolvendo, além da linguística, a
antropologia, a história e a memória social, o que nos levou ao
naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. Ele viajou pela Amazônia
no final do séc. XVIII e publicou a gravura de um índio Mura
inalando paricá, com traços físicos europeus, mas com chapéu sem
copa feito de fibra vegetal, flechas e enfeites nos lábios. A quinta
parte de sua “Viagem filosófica ao Rio Negro” traz documentos
sobre a “pacificação” dos Mura, em Airão, em 1787. Reli todo o
capítulo e não aparece nem um Nena entre os Mura, antepassado do
nosso general.
Caminho
tortuoso
Daí,
consultamos o poema épico colonial “A Muhraida”, em seis cantos,
escrito em Ega, Tefé, em 1785, pelo tenente-coronel lusitano
Henrique João Wilkens, um hino que celebra o genocídio cometido de
forma sistemática contra os Mura, qualificados como “abomináveis”,
“ferozes”, "feras diabólicas" e “indomáveis”. O
livro publicado em 1819 pela Imprensa Régia de Portugal e dedicado
puxasacalmente ao governador do Pará João Pereira Caldas – o Fora
Caldas daquela época– não traz qualquer indicação sobre a
família Nena. Talvez porque o extermínio tenha sido tão
eficaz que incluiu um nenacídio. Até onde sabíamos, não havia
sobrado um Nena para contar a história.
As
duas obras indicam que houve um deslocamento linguístico dos
sobreviventes da aguerrida população Mura que migraram de sua
língua étnica para a língua geral da Amazônia, hoje conhecida
como Nheengatu. Podemos supor que em decorrência da situação de
línguas em contato, o Nheengatu ficou impregnado de marcas da língua
Mura. Além disso, há um fenômeno na história das línguas em que
quando dois sons próximos são iguais, eles tendem a se diferenciar,
num processo linguístico de dissimilação. Foi o que aparentemente
aconteceu com Nena que se transformou em Nema.
Finalmente,
só nos restava fazer a arqueologia do léxico. O nosso Departamento
de Pesquisa nos indicou a necessidade de aprofundar as teorias da
Onomástica e da Antroponímia que teorizaram sobre o assunto.
Consultamos o Dicionário Guarani de Montoya, do séc. XVII,
que define “ñema” como “caminho tortuoso” (pg.676). Já
Eduardo Navarro no seu “Método Moderno de Tupi Antigo” registra
“nema” como “fedor” (pg.612). Restava saber se a coisa
continua fedendo no tupi moderno. O Pequeno Dicionário da Língua
Geral de Françoise Grenand e Epaminondas Ferreira, com dados atuais,
confirma, dando um exemplo: “Remiaçuka neyuru tiará upita
i nema”,
cuja tradução é “Lava tua boca para não feder” (pg.122).
As
ações do general na Funai dirão se ele é Franklimberg ou Nena
Mura. Independentemente de suas boas intenções, se elas existem, é
difícil acreditar num Marechal Rondon nomeado por portaria assinada
por alguém que tem codinome “Fodão”, ou "Bicuíra"
("caspento" em tupi antigo) pertencente a um ministério,
cujos integrantes em sua grande parte, estão envolvidos na planilha
de propinas, embora a grande mídia insista em desviar a nossa
atenção em outra direção.
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