O
batom na cueca de Temer, o Miquiguaçu
Por
José Ribamar Bessa Freire
No
sábado(20), o presidente Michel Temer, em pronunciamento em cadeia
nacional, repetiu que não vai renunciar, deu explicações
esfarrapadas sobre as graves denúncias gravadas e filmadas e
anunciou que encaminhou ao STF pedido de suspensão de inquérito
aberto contra ele por corrupção, obstrução de justiça e formação
de organização criminosa.
Numa
crônica com enfoque machista, Nelson Rodrigues assegura que um homem
deve negar sempre um encontro extraconjugal, mesmo se sua digníssima
esposa encontrar marcas de batom na cueca. O Brasil inteiro
descobre, agora, as ceroulas de Temer e do senador Aécio Neves,
totalmente lambuzadas de batom e salpicadas de fedorentas manchas
amarelas. Quando ouvimos as explicações mirabolantes dos dois
tentando desqualificar provas contundentes, lembramos o saudoso
Miquiguaçu, que circulava por Manaus nos anos 1950.
Miquiguaçu,
morador no Beco da Escola, bairro de Aparecida, vendia caldo de cana
e pastel num carrinho em frente ao Grupo Escolar Cônego Azevedo, ao
lado da banca de verdura da Nilza. Na hora da merenda, os alunos que
bebiam garapa, apresentavam reações estranhas, andar trôpego,
sonolência, voz pastosa. A polícia demorou em descobrir que a
garapa do vendedor vinha misturada com cachaça, cujas garrafas
vazias foram encontradas na casa dele. O crime foi confirmado por
exames laboratoriais e pelos sucessivos porres das crianças.
Diante
das provas inequívocas do delito, Miquiguaçu gaguejou que não
houve flagrante, que ninguém testemunhara o mistifório, que
garrafas vazias não provam nada, que ele não tinha culpa, que o
caldo da cana recém moída fermentara espontaneamente em contato com
o ar. Como não tinha foro privilegiado, nem grana para pagar
advogados, foi em cana – desculpem o trocadilho.
Os
moradores do bairro ficaram indignados com o garapeiro e avaliaram
que crime ainda maior foram as desculpas gelatinosas e ilógicas que
ele apresentou, zombando da inteligência de todos. – Deus castiga
– comentou o seu Santino, entre uma tosse e outra, quando Celino, o
sapateiro, lhe contou que Miquiguaçu havia esmigalhado a mão na
máquina de moer cana, É que mesmo depois que saiu da cana, ele
continuou vendendo o caldo da dita cuja misturado com cachaça, em
frente a outro Grupo Escolar, lá da Praça XIV.
Cala
a boca, Batista!
São
quatro questões que nos chamam a atenção: Aécio, Temer, os irmãos
Batista e a TV Globo. Agora, não se trata apenas de disse-me-disse
de delação premiada. Não é a palavra do delator contra a do
delatado. Foram colhidas provas materiais, tudo filmado, gravado, com
autorização do Poder Judiciário.
O
presidente do PSDB (viiixe Maria!), Aécio Neves, ex-candidato
derrotado a presidente da República, na conversa recente com Joesley
Batista, da JBS, no dia 24 de março, num luxuoso hotel de São
Paulo, agiu como um bandidinho mequetrefe. Pediu R$ 2 milhões para
“pagar advogados” nos muitos inquéritos em que é citado por
corrupção. Acertou a entrega da bufunfa para seu primo dizendo –
brincando, ele jura – que se um dos agentes indicados delatar, “a
gente mata ele antes de fazer delação”. Tudo gravado.
Depois
que a TV Globo divulgou as gravações, um Aécio, pálido e
encagaçado, jurou que está “absolutamente tranquilo” sobre a
“correção” dos atos dele, porque aquela transação filmada,
documentada, gravada, prenhe de palavrões, foi “estritamente
pessoal sem qualquer envolvimento com o setor público”. Era um
empréstimo que pedia a seu amigo – “muy amigo” - “porque
como todo mundo sabe os juros do banco são altos”. Só faltou
jurar que a voz não era sua. Nem o Miquiguaçu teria tanta
imaginação.
Caixa
3
Temer
não ficou atrás. A conversa gravada no porão do Palácio Jaburu
deixou marcas de beijos estalados na cueca presidencial. O presidente
da República dá o aval para Joesley continuar comprando o silêncio
do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que é um gênio, pois
mesmo preso continua engordando sua conta bancária.
A
mesada a Cunha e a Funaro era mencionada através de senha: “Os
passarinhos estão tranquilos na gaiola? É preciso continuar dando
alpiste pros passarinhos”, segundo o diretor da JBS, Ricardo Saud,
que pagou, em 2014, R$ 15 milhões para o Caixa 2 da Campanha
Dilma-Temer. O candidato a vice “embolsou R$ 1 milhão” em
benefício próprio. “Já vi o cara gastar o dinheiro na campanha.
Agora, pegar um dinheiro do PT e guardar no bolso dele é muito
difícil. Só ele [Temer] e o Kassab fizeram isso”. Um Caixa
3.
Temer
colocou ainda Joesley em contato com um homem de sua confiança, o
deputado Rocha Loures, flagrado recebendo a propina. – “A propina
era toda tratada com Temer. O Rodrigo era só o intermediário” –
disse Joesley em sua delação. Diante de provas tão robustas, o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, até há pouco
paparicado por Temer, considerou que os dois presidentes – um da
República e outro do PSDB - tentaram obstruir a Operação Lava
Jato, pedra já cantada por Jucá. Pediu, então, abertura de
inquérito “por obstrução da Justiça, corrupção e organização
criminosa”.
Em
pronunciamento à televisão, Temer foi enfático: Daqui não saio,
daqui ninguém me tira. Disse que está “absolutamente tranquilo”,
que o dinheiro que aprovou a repassar para Cunha não foi para
comprar o silêncio do ex-presidente da Câmara, mas um comentário
caridoso, de solidariedade, para ajudar a família do preso, coitado,
que passa por dificuldades. O caldo de cana fermentou em contato com
o ar. Miquiguaçu não faria melhor.
Ejepe’
a Ma, Temer
Se
a Operação Lei Seca começa a multar teus amigos, tu não diriges
mais quando bebes. O impressionante no comportamento de Aécio e
Temer é que continuam agindo à margem e acima da lei. O clima de
punição instaurado pela Lava Jato não inibiu seus comportamentos.
Consciente
de que a opinião pública estranhou o prêmio dado aos empresários
delinquentes da JBS com um acordo no qual saíram lucrando, Temer,
vivíssimo, tentou só agora desqualificar Joesley, até então seu
amigo, a ponto de recebê-lo em sua residência oficial.
A
TV Globo, que bancou Aécio e depois Temer, deu ampla cobertura ao
fato, o que deixa muita gente de orelha em pé. O que é que eles
estão aprontando? Compromisso com a informação? Mon
oiel.
Na Globo News, Merval Pereira justificou apoio anterior dado a Aécio,
comentando que o senador tem dupla personalidade. Ou seja, existiriam
dois Aécio: 1) o estadista e 2) o delinquente. Merval apoiou o
primeiro e contribuiu para fazer a cabeça de 51 milhões de
brasileiros que nele votaram. Trata-se agora de saber quem vai ser
preso: o primeiro ou o segundo.
Temer
e Aécio são, na realidade, dois Miquiguaçu, que em Nheengatu
significa “bundão” como nos assegura Theodoro Sampaio em seu
livro “O Tupi na Geografia Nacional” (pg. 83). Miquiguaçus com
cueca lambuzada de batom, que tratam o povo brasileiro como otário.
Só nos resta dizer, como meu professor de guarani, Joel
Kuaray: “Ejepe’a
Ma, Temer”,
que numa tradução livre quer dizer: “Tchau,
querido”. Parece
ser questão de mais dias, menos dias.
*
Jornalista e historiador.
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