Imposto
de Renda: justo e imparcial
* Por
Mara Narciso
Quando
sou informada pelo Jornal da Band do desvio de um bilhão de reais na
reforma do Estádio Mário Filho, a Arena Maracanã, entendo porque
de cada R$100,00 brutos que recebo, entrego R$27,50 ao governo. Faz
todo o sentido. Caso não fosse feita essa extorsão de quem
trabalha, como seriam feitas as rapinas maiores? A lógica aqui é
cristalina e inequívoca.
Lamúria
surrada esta de reclamar para pagar o Imposto de Renda. Caso não
ganhasse, não pagaria. A garganta profunda do governo é mais
poderosa do que um buraco negro, insaciável, que puxa luz, tempo e
vida. O que entra ali não são apenas numerários, são dores,
suores, força, lutas pela sobrevivência. Todos pagam para a máquina
girar. É “lúcido, válido e inserido no contexto” (Paulo
Diniz).
Quanto
valho? Enquanto trabalho e perco a saúde, tenho valor, quando não
mais puder, todos sabem o que acontecerá. Os legisladores agem como
feitores de chibata na mão, e a cada dia arrancam mais couro de quem
produz. A escravidão está em curso, tendendo a piorar. Números,
por favor!
Tenho
61 anos e trabalho desde 1978 num estágio não remunerado de
Medicina. Formada em 07 de dezembro de 1979, fiz três anos de
Residência Médica (80, 81 e 82), atendendo até 60 doentes
internados num único dia, também sem remuneração. Iniciei
atendimento em consultório em 1983, e comecei a pagar o INSS.
Naquela época, o teto máximo eram 20 salários mínimos, a preços
de hoje R$ 18.740,00, uma miragem, pois o maior valor pago pela
Previdência é de R$5.531,00.
Paguei
ao INSS conforme a lei para médicos. No início, sobre dois salários
mínimos, depois sobre cinco e por mais de 15 anos sobre o teto.
Acabei por me aposentar, após 30 anos de contribuição, aos 57 anos
com quatro salários mínimos, e agora três: R$2840,00. Será que o
perdulário governo investiria R$580,00 mensalmente durante 360 meses
para ter esse rendimento?
Vive-se
mais, esse é o motivo para surrupiar nosso direito. Continuo
produzindo e pagando a Previdência, montante que não me será
revertido. Como recebo de mais de uma fonte, continuam meus descontos
previdenciários automáticos duplos ou triplos, que não consigo
impedir.
Nunca
recebi nada do governo, talvez meia dúzia de vacinas, se tanto. Sou
de família pobre, porém instruída, tive sorte, pois puderam pagar
meus estudos, tratamentos e remédios. Sempre estive do lado que
carrega o país. Não penso que dei ou darei prejuízo, mas tive,
tenho e terei perdas.
De
tanto trabalhar e escrever, há dez anos e meio, quando fiz a
faculdade de Jornalismo, adquiri LER- Lesão por Esforço Repetitivo
(moléstia incapacitante e incurável). Reduzi carga e estilo de
atender, escrevendo pouco, abreviando, não trabalhando sexta-feira à
tarde, e, ganhando menos. Fiz interrupções para tratamento
fisioterápico, pois a causa é escrever e o tratamento é parar de
escrever (manual ou digital). Há 20 meses sinto dores diárias,
fraqueza e perda da função nos dois braços (fui sobrecarregando o
outro). Estive mal, a ponto de não conseguir segurar o garfo.
Sem
conseguir trabalhar há sete meses, precisei da ajuda do meu filho,
para escrever, sob orientação do CRM. Depois de 97 sessões de
Fisioterapia, Pilates e Dança Flamenca, estou melhor, porém, devo
escrever pouco. Para continuar, investi, informatizei o consultório,
sem saber se vou me adaptar ao sistema e o mais desafiador, aguentar
trabalhar. Empresas que devem milhões e a má gerência
governamental não pagam a conta. A cobrança recai sobre o idoso
fraco, omisso, cordato, teleguiado.
Tiradentes
morreu em vão, lutando para não pagar à Coroa Portuguesa 20% da
extração do ouro, episódio conhecido como Derrama. Eu, com sérias
restrições físicas, pago 27,5%. Trabalhando doente, atendendo
convênios, tenho descontos também no benefício, entrego meu sangue
ao governo que aí está, e caio morta. Como médica, estou assim. E
as demais profissões? Vitimização, palavra da moda. Que seja! Quem
custeará meu funeral? Pelo menos não verei nada.
*
Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Seria cômico se não fosse trágico, Mara. Somos verdadeiros bocós dessa caterva de Brasília...
ResponderExcluirO meu caso verdadeiro e inacreditável mostra o quanto somos úteis, até nos tornarmos inúteis.
ResponderExcluir