Conto do vigário
* Por
Daisy Lucas
Conto do vigário?
Confesso que retirei esta expressão lá do fundo do baú, e uma pessoa bem jovem
pode não conhecê-la.
Então, vamos lá. Na
versão do historiador Câmara Cascudo, a história começou com a disputa de duas
paróquias pela imagem de Nossa Senhora. Briga pra lá, briga pra cá, o bispo
pediu que os párocos ou os paroquianos dessem sua sugestão, já que todas as
propostas da arquidiocese foram rechaçadas. Imaginem que até rodízio da imagem
entre as duas igrejas foi sugerido, e nada de consenso.
Afinal, um paroquiano
fez a sugestão que caiu na disputa como um “ovo de Colombo”. E qual era a
proposta? Simples… Eles que colocassem a imagem amarrada na garupa de um burro
e o deixassem livre. A igreja que ficasse na direção do caminho escolhido seria
a vencedora, ficaria com a imagem. Assim foi feito. O burro saiu andando na
direção da igreja do Pilar, o bispo decretou a vencedora, todos aplaudiram o
resultado. O que eles descobriram mais tarde? Ah, o burro que decidiu a
história era de propriedade do vigário da citada igreja… Onde morava o burrico?
Ora, com o padre, na igreja do Pilar… Óbvio que o burrinho solto voltaria para
casa.
Bom, para ficar mais
divertido, vamos a outra versão. Esta, uma versão portuguesa. Conta a lenda que
em determinada época no século XIX, um homem chegava às cidades pequenas do
interior portando uma grande mala, dizendo-se emissário do vigário da Comarca.
E mais: escolhia a dedo uma pessoa, tipo assim, um comerciante, uma professora,
ou seja, pessoas de alguma condição financeira, e lhes revelava, pedindo grande
segredo, que havia esquecido um documento na Comarca mas que não poderia voltar
com aquela mala tão pesada e tão importante, fechada com um cadeado cuja chave
estava com o bispo, cheia de dinheiro das doações. Pedia então que a pessoa a
guardasse, mas… “Claro, preciso de algum dinheiro como garantia”, dizia.
Certamente você já
sabe o que aconteceu: quando arrombaram o cadeado da mala, ela estava pesada,
sim. Mas cheia de pedras, quinquilharias, e por aí vai. Também nesta versão o
vigário é que levou a fama, embora talvez nem soubesse do acontecido.
Muito bem, todos nós
falamos em vigarice, corrupção, desconfiança, mas estou acompanhando na
internet um “vigário” que anda por aí.
E o nome até rima com
vigário, no caso uma promoção veiculada como sendo da Boticário. Pessoas
receberam pelo Facebook ou pelo WhatsApp uma propaganda que viralizou,
oferecendo R$ 500,00 em prêmios do Boticário e que, para isto, “bastava
preencher um cadastro”.
Ora, os “espertos”,
como costuma acontecer a quem cai numa esparrela desse tipo, tão preocupados
com levar vantagem que nem se preocupam em investigar melhor a coisa, mandaram
ver, fornecendo nome, identidade, CPF, endereço, telefone, e-mail, referências
bancárias, manequim, número de sapato e o que mais fosse solicitado. Pronto! De
posse dos dados, os hackers faziam a festa.
Não sei se o Boticário
desmentiu a “promoção” (eu, pelo menos, não li nenhum comunicado oficial da
empresa), e os que acreditaram na “facilidade” no mínimo ganharam um viruszinho,
além de terem sido usados para lucro de quem criou o boato, pois o comércio de
dados existe na internet, meus senhores, todos nós sabemos disso.
Será que as pessoas
ainda não perceberam que não tem essa de almoço grátis? Almoço grátis, bebida
mais cara. A sobremesa então…
*
Pedagoga e escritora.
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