O melhor amigo
* Por
Fernando Sabino
A mãe estava na sala,
costurando. O menino abriu a porta da rua, meio ressabiado, arriscou um passo
para dentro e mediu cautelosamente a distância. Como a mãe não se voltasse para
vê-lo, deu uma corridinha em direção de seu quarto.
– Meu filho? – gritou
ela.
– O que é – respondeu,
com o ar mais natural que lhe foi possível.
– Que é que você está
carregando aí?
Como podia ter visto
alguma coisa, se nem levantara a cabeça? Sentindo-se perdido, tentou ainda
ganhar tempo.
– Eu? Nada…
– Está sim. Você
entrou carregando uma coisa.
Pronto: estava
descoberto. Não adiantava negar – o jeito era procurar comovê-la. Veio
caminhando desconsolado até a sala, mostrou à mãe o que estava carregando:
– Olha aí, mamãe, é um
filhote…
Seus olhos súplices
aguardavam a decisão.
– Um filhote? Onde é
que você arranjou isso?
– Achei na rua. Tão
bonitinho, não é, mamãe?
Sabia que não
adiantava: ela já chamava o filhote de isso. Insistiu ainda:
– Deve estar com fome,
olha só a carinha que ele faz.
– Trate de levar
embora esse cachorro agora mesmo!
– Ah, mamãe… – já
compondo uma cara de choro.
– Tem dez minutos para
botar esse bicho na rua. Já disse que não quero animais aqui em casa. Tanta
coisa para cuidar, Deus me livre de ainda inventar uma amolação dessas.
O menino tentou
enxugar uma lágrima, não havia lágrima. Voltou para o quarto, emburrado:
A gente também não tem
nenhum direito nesta casa – pensava. Um dia ainda faço um estrago louco. Meu
único amigo, enxotado desta maneira!
– Que diabo também,
nesta casa tudo é proibido! – gritou, lá do quarto, e ficou esperando a reação
da mãe.
– Dez minutos –
repetiu ela, com firmeza.
– Todo mundo tem
cachorro, só eu que não tenho.
– Você não é todo
mundo.
– Também, de hoje em
diante eu não estudo mais, não vou mais ao colégio, não faço mais nada.
– Veremos – limitou-se
a mãe, de novo distraída com a sua costura.
– A senhora é ruim
mesmo, não tem coração!
– Sua alma, sua palma.
Conhecia bem a mãe,
sabia que não haveria apelo: tinha dez minutos para brincar com seu novo amigo,
e depois… ao fim de dez minutos, a voz da mãe, inexorável:
– Vamos, chega! Leva
esse cachorro embora.
– Ah, mamãe, deixa! –
choramingou ainda: – Meu melhor amigo, não tenho mais ninguém nesta vida.
– E eu? Que bobagem é
essa, você não tem sua mãe?
– Mãe e cachorro não é
a mesma coisa.
– Deixa de conversa:
obedece sua mãe.
Ele saiu, e seus olhos
prometiam vingança. A mãe chegou a se preocupar: meninos nessa idade, uma
injustiça praticada e eles perdem a cabeça, um recalque, complexos, essa coisa
– Pronto, mamãe!
E exibia-lhe uma nota
de vinte e uma de dez: havia vendido seu melhor amigo por trinta dinheiros.
– Eu devia ter pedido
cinqüenta, tenho certeza que ele dava murmurou, pensativo.
*
Escritor e jornalista.
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