A revolução dos não bichos
* Por
Paulo Ghiraldelli Jr.
Para Nana Lacerda
Uma cenoura é
diferente de um esquilo não no mesmo sentido que um esquilo é diferente de uma
vaca. Muita gente que dá palestra por aí não sabe disso. Conhecem o tipo? Sim,
até na Unicamp tem gente assim! É aquele que adora dizer que quem não mata uma
vaca vai acabar matando uma cenoura, e então sai às gargalhadas, achando que
agradou o povo. Agrada só o gaúcho da fronteira, mas não os que vivem em
centros urbanos, e que já sofisticaram sensibilidade e opinião. Feito isso,
percebem que não agradam e então correm atrás do prejuízo. Mas aí soa falso. Há
gente assim. Há gente que nunca ouviu falar de direitos dos animais, mesmo
sendo professor.
No campo dos direitos
dos animais há três posições básicas. Seguem abaixo.
Há os que lutam pela
emancipação animal dizendo que se aceitamos a regra da igualdade moral para o
tratamento entre os da nossa espécie, não temos nenhuma justificativa para não
estender esse princípio para nosso relacionamento com os seres de outras
espécies. A esfera moral nossa cabe a todos nós que sofremos, independentemente
de capacidade de raciocínio ou autonomia, e então, se é assim, devemos incluir
nessa esfera também os que sentem, como os animais. Em geral, essa argumentação
vem do utilitarismo. Na prática, significa sempre seguir a regra utilitarista
que prega que a felicidade (ou bem estar) da maioria possível é o que importa
mais. Assim, onde há condições de ser vegetariano, que sejamos vegetarianos.
Onde há condições de evitar animais em experimentos, que evitemos. Enfim, que
se diminua ao máximo a crueldade e o sofrimento.
Há os que existem
direitos naturais objetivos, e que há valor intrínseco em todos os seres que têm
uma vida. Há aí no critério de vida, também a ideia de que animais são
sencientes, e assim, ganham direitos objetivos que são relativos à vida. Desqualificar
a vida como um bem não-objetivo seria negar todo e qualquer tipo de direito. Em
geral, essa argumentação vem do jusnaturalismo. Nesse caso, estamos diante da
ideia de seguir um princípio, ou seja, uma teoria deontológica, sem acomodações
contingenciais. Assim, o vegetarianismo se impõe e também o fim de experimentos
– ou isso ou se está fora do campo ético-moral.
Uma terceira posição
evita equiparar animais a pessoas, mas não abre mão da defesa dos animais.
Nessa ética há menos a ideia de “direito dos animais” e mais a ideia de
responsabilidade do homem em relação a eles, como parte da responsabilidade
humana por toda a natureza. Não há sentido, nessa ética, para dar direitos aos
animais, mas há bastante sentido em protegê-los dentro do nosso direito, que
nos faz responsáveis por uma série de coisas no mundo sem o qual o mundo seria
um poço sem fundo de desrespeito.
Essas posições são da
ordem da ética e, enfim, claro, influenciam o direito. Uma coisa outra é o modo
pelo qual as pessoas se sensibilizam com os animais e, então, se possuem
propensão à teoria e à confecção de leis, vão se aproximando dessas teorias.
Nesse caso, falamos do despertar das pessoas para a “questão animal”.
Penso que quando
entramos nesse campo, vale lembrar os estudos de suavização das relações que
nos fizeram criar sensibilidade ecológica e pelos animais, e não podemos
descartar de como isso, no âmbito geral do crescimento da suavização da vida,
foi algo bem estudado por Foucault. Foi ele quem mais introduziu na noção de
modernidade, de modo bem decisivo, a questão que Marx chamou de “missão
civilizadora do capital”, e que Weber batizou pelo título mais filosófico de
“racionalização” ou “desencantamento do mundo”. Essas condições vieram do
âmbito da revolução criada pelo advento da “sociedade de mercado”, que nos
obrigou todos, ao menos no Ocidente, a sermos tolerantes com os diferentes.
Incluímos na vida as crianças, depois as mulheres, depois os escravos e servos
e, agora, estamos incluindo os animais. O cachorro vem em primeiro lugar. Antes
de todos os animais virem, virão robôs. Creio que Richard Rorty, aliás, nem
daria muita atenção para as posições de direito e ética animal, mas ficaria
exclusivamente na análise das possibilidades pragmáticas que nos levam a sermos
mais sensíveis. Para ele, todo o resto, entre sermos jusnaturalistas ou
utilitaristas ou adeptos da tese da responsabilidade, ficaria em segundo plano.
No campo da vida prática, o que conta é olharmos a termômetro da sensibilidade.
Peter Sloterdijk diz
que seremos mais sensíveis porque estamos na “sociedade da abundância”
(Galbraith), e nesta, cabe darmos a mais parceiros condições de participação
maior. Os animais entrarão nessa. Deixarão de ser pacotes de hormônios que nos
provocam doenças para virem a ser de fato companheiros de casa. Fizemos isso
com os escravos modernos, em geral negros. Não os comíamos, claro, mas eles
eram – de fato ou só pela fama – focos
de doenças, e então os trouxemos para o interior da vida e da casa, e as coisas
caminharam cada vez melhor. Não há dúvida que a sociedade multi-étnica que
temos hoje, ainda que com olhares sinistros aqui e ali de gente como Trump, é
melhor do que as do passado. História e natureza se fundem nesse novo tipo de
história, e assim veremos e explicaremos, daqui a pouco tempo, um fato curioso:
não estaremos tanto mais discutindo éticas relativas às questões animais, e sim
procedimentos de inclusão como necessidade aceita por todos.
O pragmatismo é que
nos conduzirá. E ele está indicando que precisamos estancar a crueldade, e
incorporar os animais aos nossos círculos de bem querer. Cada animal será “um
de nós”. Os cachorros tomarão sempre à frente, como já fizeram. É provável que
as baratas e os mosquitos da zika fiquem por último. Mas isso, garanto, não igualará
animais a cenouras, apenas deixará mais claro que há palestrante com cérebro de
cenoura.
*
Filósofo.
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