Fama
ou reconhecimento?
"A fama é a soma de equívocos
criados em torno de uma pessoa", escreveu, certa ocasião, o poeta
austríaco, Rainer Marie Rilke. Absoluta verdade! Certamente, não foi esta a
condição (ou seria recompensa?) que os intelectuais engajados na solução dos
problemas do seu tempo buscaram (ou
buscam) da sociedade. Almejam, isto sim, o "reconhecimento" das
gerações futuras, pelo que fizeram e deixaram como patrimônio cultural. Nem
sempre (ou quase nunca) conseguem.
Quantos intelectuais campineiros, que
estiveram na "crista da onda" não faz muito tempo, quando ainda em
atividade, não acabaram esquecidos, tão logo morreram?! E, pior, alguns, ainda
vivos, sentem hoje o travo amargo do esquecimento e do descaso, como se nunca
tivessem existido! Quem perde com tal omissão (ou desinformação), é a
sociedade, que deixa de se valer da experiência e das luzes desses intelectuais
brilhantes. Arte e cultura são atemporais. Talvez esse esquecimento seja fruto
do preconceito, dessa obsessão pelo "moderno". Modernidade, aliás, na
maioria das vezes confundida com modismo.
Sempre que possível (e oportuno),
tentarei, neste espaço (e nos outros tantos que disponho), senão resgatar, pelo
menos lembrar dos nossos bons escritores (e são tantos!). Uma das razões é de
caráter prático: para usufruir suas boas idéias, sempre bem vindas nesta época
de aridez mental. Outra (por que não dizer?), é egoística: fazer desse
exercício de exegese uma espécie de "exemplo", na vã ilusão de que,
algum dia, em algum jornal ou revista da cidade ou do País, determinado
cronista generoso me retire do ostracismo, a que certamente também serei
relegado.
Estas considerações vêm a propósito de
um telefonema de um leitor, há já algum tempo, me perguntando o que achava da
pessoa e da obra de Paranhos de Siqueira (falecido em 6 de maio de 1988). Não
conheci esse intelectual pessoalmente. Nos vimos por aí, pela cidade, uma vez
ou outra. Trocamos sinais de cabeça, à guisa de cumprimento, e nossas relações
restringiram-se a isso. Nunca fomos apresentados formalmente. Sequer chegamos a
conversar, mesmo que sobre banalidades.
Desconheço se ele acompanhou minha trajetória pela imprensa de Campinas.
Provavelmente não! À época em que Paranhos era um brilhante articulista do
"Correio Popular" e do "Diário do Povo", eu estava
ensaiando os primeiros passos como jornalista.
Acompanhei-o, no entanto, com grande
interesse. Colecionei, avidamente, seus candentes artigos, nos quais me
espelhei para escrever os meus. Tenho alguns dos seus livros, especialmente os
de crônicas, como "Rosário de Lágrimas" (publicado em 1936, quando eu
sequer havia nascido), "Horas Mortas" (de 1939) e o que reputo o
melhor de todos, "Gente e Coisas da Minha Terra", de 1980. Este
último, é um precioso documento, escrito com o texto leve e fluente do emérito
cronista (aliás, sua característica), de um largo período da história recente
da cidade.
Tenho um único livro de poesias de
Paranhos de Siqueira, escritor que há tempos não tem sido citado uma só
vez na imprensa campineira, como se
sequer tivesse existido (meu Deus, como a nossa mídia é carente de memória!).
Trata-se de "Antes que Anoiteça", coletânea de 95 sonetos, dos quais
escolhi (a esmo) apenas dois, para apresentar ao leitor. O primeiro,
intitula-se "Poetas Antigos". Diz:
"Passei
a noite inteira lendo versos,
---
poesia antiga de sabor sem par,
em
que palpitam vozes de universos
que
nem a Morte conseguiu calar.
Guerra
Junqueiro...--- artífice invulgar
de
alexandrinos celestiais, tão tersos
que
hão de sempre existir e perdurar
na
comunhão dos séculos dispersos.
Bilac,
o velho Alberto de Oliveira,
o
Saturnino, o mestre dos 'Grupiaras',
--- dos grandes da poesia brasileira.
Valeu
a pena ter ficado insone,
ébrio
de gozo como as gemas raras
do
simbolismo de Raul de Leoni..."
O segundo soneto que reproduzo é este
"O Espelho":
"Entrei
hoje em atrito decidido
com
meu espelho de cristal vetusto.
Olhei-me
nele, um tanto distraído,
e
o diabo quase me matou de susto.
O
danado queria, a todo custo,
sob
a ilusão dos anos que hei vivido,
em
vez do moço impávido e robusto,
mostrar-me
um velho pela dor vencido.
E
veio a bronca que nos pôs de mal.
Ele,
afirmando que me foi leal,
e
que o Tempo é que o físico dilui.
E
eu, exigindo que ele me mostrasse,
no
mesmo corpo, a mesma antiga face
do
jovem desenvolto que já fui..."
Quem não conhece a obra (em prosa ou
verso, não importa) de Paranhos de Siqueira, não sabe o que está perdendo.
Trata-se de um intelectual que --- mais do que qualquer eventual e efêmera fama
--- merece nosso eterno reconhecimento... E, sobretudo, nossa total gratidão!
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Somos sim, desmemoriados. Aqui em Montes Claros, sofremos da mesma amnésia.
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