Ao lado da estrela D’Alva
* Por
Urda Alice Klueger
Quando eu era pequena,
havia aquela estrela no céu, assim, de tardinha, sozinha e luminosa, e aprendi
cedo que se tratava da Estrela Vésper, ou da Estrela d’Alva, e desse nome eu
gostava mais, pois tinha até uma música homenageando aquele astro mágico, que
vinha antes da noite, e que diziam que, de manhãzinha cedo, quando todas as
outras estrelas iam embora, ela continuava lá, firme, como nenhuma outra.
Pensei muito nela,
hoje, nessa estrela que aparecia dentre morros de verdura e umidade, quando era
criança com tempo para prestar atenção a tudo, principalmente quando se tratava
de astros. Ao longo da vida o tempo foi encurtando e os horizontes estreitos da
minha cidade de morros foram fazendo com que eu prestasse menos atenção na
Estrela d’Alva, até que hoje, bem no dia de hoje, lembrei tanto, de novo,
daquela estrela que tinha até música, e saí para a amplidão da minha Enseada
para verificar se ela continuava lá no mesmo lugar, chegando antes da noite,
encantando o mundo com sua presença luminosa em plena tarde, e foi aí que veio
a surpresa: a Estrela d’Alva já não está sozinha!
Incrivelmente, agora
lá no horizonte, no final da tarde, são duas as estrelas. Julguei entender o
que acontecia: aquela um pouco menor, se bem que tão cheia de luz, era a mesma
Estrela d’Alva que via dentre os morros verde-escuros da minha infância – mas,
e a outra? Muito mais luminosa, maior, irradiando uma luz que tanto era
vermelha, quanto terna, quanto doce, lá estava a nova estrela, e não ficava
dúvida sobre de onde vinha: era a estrela chamada Marisa Letícia que hoje tomou
o rumo do céu, que agora sempre vai estar por lá cuidando do que se passa com
esta humanidade que consegue ser tão vil, às vezes, que a gente nem entende
como o universo a suporta. Bom demais saber que Dona Marisa está lá, agora,
livre e solta, sem mais sofrimentos, acima de qualquer opressão ou maldade que
queiram lhe fazer, como aquela dos pedalinhos para os netinhos – ô gente
nojenta que há sob o sol, gente podre, capaz de fazer maldades desse tipo – se
bem que ela também viveu coisas muito grandiosas, como receber chefes de Estado
na sua cozinha de gente humilde para comer o seu arroz com feijão e bife, e
lembro de Fidel Castro, vindo do continente africano e dando uma paradinha na
casa de Dona Marisa, e quando os repórteres insistiram para que viesse até à
porta e dissesse alguma coisa, ele declarou, sumamente satisfeito: “Que delícia
essa comida proletária!”. Comidinha feita por Dona Marisa, a querida, agora
Estrela.
Sou pobre de palavras
quando se trata de falar de Dona Marisa, e então vou me apropriar do que disse
hoje o professor Dr. Jaci Rocha Gonçalves, dentre outras coisas teólogo e
antropólogo, a respeito dessa mulher que tão luminosa foi que acabou virando
estrela: “Uma trajetória de luta, de sabedoria silenciosa, de coerência e
firmeza com os valores que contam. O maior deles: cuidar, como mãe, dos
excluídos. A história reconhecerá no tempo oportuno em que toda a verdade virá
à tona”.
O amor que eu tinha
por ela era de tal monta que passei a maior parte do dia de hoje chorando
dolorosamente – só comecei a me conformar quando a tarde foi para o fim e a vi,
luminosa e encantadora, lá no céu, assim como tinha sido aqui na terra.
Aumenta, hoje, a minha
galeria de perdas irreparáveis, mas nasceu uma nova estrela! Querida Dona
Marisa, a gente ainda vai se encontrar!
Enseada de Brito, 02
de fevereiro de 2017.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR,
autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de 2016), entre os
quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12
edições).
Discrição era uma característica tão firme que eu nada sabia de Marisa Letícia, até ouvir os buzinaços em frente ao hospital onde ela estava internada. Foi quando os passos dela passaram a ser comentados. Achei bom conhecê-la.
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