Tradições, contradições
* Por
Walter da Silva
Meu primeiro
empregador era um homem branco, sanguíneo e meio gozador. Eu tinha quatorze
anos e começava os primeiros passos em busca de uma carreira profissional.
Curioso é que havia ganhado um curso de datilografia numa troca feita com um
retrato a crayon que executei da mulher do dono do Colégio. Em virtude desse
intercâmbio, fui contratado para trabalhar no escritório da empresa. Nessa
época, saber datilografar era uma façanha relevante. Contudo, o objetivo deste
texto não é falar sobre mim, mas sobre o empregador. Quando ele notou que eu
fizera um comentário elogioso sobre a Revolução de Sierra Maestra, ali ele
levantou a voz e bradou: “O mal por si se destrói”. Claro que ele era uma
pessoa do grupo que odiava – e ainda odeia – o comandante Fidel. Afora o fato
de, em sendo seu afilhado de crisma, eu estar contrariando uma suposta
ideologia à que eu precocemente supunha entender. Eu havia lido bastante sobre
a Revolução para derrubar o governo subserviente aos interesses
norte-americanos, de Fulgêncio Batista. De fato, de fulgente o presidente de
Cuba só tinha mesmo o nome.
Reacionário e católico
praticante, esse empresário que já deve estar na casa dos noventa anos, não
acreditava que um garoto estudante de segundo grau, pudesse expressar sua
opinião sobre um assunto restrito a homens maduros. Durante dois anos pude
suportar com respeito as idiossincrasias desse cara-pálida, cujo principal
temor era que o socialismo cubano desse certo e se alastrasse pela América Latina,
desembarcando no Brasil dos anos sessenta. Uma revolução não é um golpe de
estado. Longe, muito longe de sê-lo, ela jamais se encerra e é por isso que seu
principal êxito reside na evolução de suas principais premissas. Logicamente,
uma revolução também não é uma brincadeirinha de fuzis e metralhadoras, em cujo
palco não se pode confundir os litigantes. Na análise da revolução cubana todos
os detalhes devem ser considerados. Desde os mais heroicos até aqueles a que a
lógica humanística pode apelidar de violência extrema, supressão de direitos,
etc. Revoluções não são uma mera provocação diplomática ou uma tentativa de
negociação de távola redonda. São uma ruptura com o status quo.
O lugar-comum de se
associar o nome de Fidel Castro a um ditador sanguinário é próprio de quem não
entra na chuva com medo de se molhar. Erros são cometidos em nome de um tipo de
liberdade e cada povo tem sua peculiar, ainda que não lute feroz e
recorrentemente em seu alcance. A revolução cubana é, com base nesse argumento,
um caso particular na busca de certo tipo de liberdade. O contrário disso é
praticar como o Brasil vem praticando, uma política de boa vizinhança com os
Estados Unidos, que não fizeram de Brasília um cabaré, como ocorria durante
muito tempo na Cuba sob o governo de Batista. Mas o golpe de estado de 1964 – e
é isso que se deu no Brasil – ocorreu com a anuência do governo americano, mas
não com a cumplicidade de seu povo. Não seria tempestivo listar aqui as baixas
ocorridas dos dois lados. Os estudiosos de golpes de estado já o fizeram. E
todos os homens de boa-vontade sabem muito bem dos males que guerras e
revoluções provocam numa sociedade, durante algum tempo. As questões que se
devem fazer são: valeu mesmo a pena? E o que representa para o povo cubano em
especial, os avanços na educação, na cultura e na saúde? Não sei se meu
ex-empregador com a mesma idade do comandante morto recentemente, ainda
profetizaria o fim de Cuba como fez há quase sessenta anos. E será que ele
disfarçaria ao se “esquecer” de ter proferido tal profecia?
Camaragibe, dezembro
de 2016
*
Escritor
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