Salvem os pés de murici!
* Por
Mara Narciso
“Eu tenho uma porção
de coisas grandes pra conquistar e eu não posso ficar aqui parado”. (Raul
Seixas)
Quando a população de
Montes Claros viu o pequi rarear, antes tão abundante de “fazer lama”, tratou
de investir em educação, valorização, leis e penalizações, para salvá-lo, além
de desenvolver técnicas de plantio, proteção e importação do fruto. O ouro do
cerrado, com suas propriedades nutricionais é uma iguaria que poucos
montes-clarenses não gostam. Tem um dos cheiros mais penetrantes que o olfato
humano pode sentir. Amarelo, de carne saborosa, cozido no arroz ou separado é
iguaria servida aos visitantes em qualquer época do ano, pois pode ser
congelado, sem alteração do gosto, ainda que o plano de clivagem entre a carne
e os espinhos fique mole, aumentando o risco de ultrapassar a zona de
segurança. Pequi é fruto que se rói.
A frutinha murici é
seu irmão pobre, ainda que seja comido cru e não tenha espinhos para morder a
língua dos incautos. O murici, antes abundante em qualquer mato, um nativo que
não aceita ser cultivado, pois não nasce, sumiu. Não vi movimento algum em sua
honra. Muitos aqui não o conhecem, até devido à escassez. Não desperta
interesse econômico, apenas saudade de mordiscar o pequenino fruto, do tamanho
da ponta do dedo mínimo, no máximo.
Nasce misteriosamente
em terras ruins, de cascalho, sendo árvore baixa, com folhas grandes,
brilhantes e flores amarelas em cachos. Daí os frutos também em cacho, doce
quando maduro, estando “de vez”, aperta como caju verde. Tem várias espécies,
dos bem pequenos até quase o dobro desse tamanho, com diversos estilos de
folhas.
Podem ser colocados na
cachaça, como também fazer o licor, especialíssimo. Também já tomei sorvete de
murici no “Gosto do Cerrado”, em Montes Claros, mas o fruto não é
industrializado, primeiro porque não há a valorização que deveria, e, segundo,
porque acabou a fonte. No Ceará tinha muito murici, mas quando o conheci por lá
foi uma decepção, pois, caso o nosso murici fosse o suco, o de lá seria o
refresco.
O odor forte é a
antecipação do gosto intenso, que estimula todas as papilas gustativas,
semelhante ao pequi, panã, coquinho azedo e manga ubá. Todos amarelos e
deliciosos, perfeitos para degustação, e aqui, aroma e sabor, mais do que nunca
se complementam.
Quando começavam as
águas, chuvas de outubro, as mangas apareciam. Em menina, eu ia ao mercado todos
os sábados com minha mãe, e começava a perguntar pelos muricis. “Só em
janeiro”, diziam. Então, vinha a melhor época do ano, com expectativa
plenamente satisfeita. Era preciso chegar cedo, e num canto, a gente mais
simples da feira estava lá, vinda de longe, paupérrima, pés descalços, vestido
descorado de chita, pano na cabeça, com uma cestinha de taquara no chão, tendo
dentro uma pequena vasilha de alumínio, com os preciosos muricis.
Proporcionalmente ao peso, não eram baratos, e, envoltos em paninhos de saco
alvejado, vendidos em medidas de canecas esmaltadas, faziam os meus olhos
infantis brilharem, enquanto brotava a salivação.
A pequena bolinha
cheirosa tem uma pele relativamente espessa e brilhante. De um lado tem uns
cinco “cabelinhos” e do outro, onde estava grudada no cacho, tem uma área
funda. Frágil, colocada na boca facilmente se desfaz a escassa polpa, que é
mastigada e comida junto com a casca, deixando de lado o carocinho duro e
cinzento, sim, aquela semente que não brota. O que se sente é um agrado como
apenas os gostos raros da infância conseguem proporcionar.
Mas os pés de murici
desapareceram daqui, ninguém sabe onde estão, se é que ainda resta algum. Uma
amiga foi a fazenda de sua infância, local em que tinha uma várzea cheinha e não
viu nenhum. Todos viraram ferro guza na indústria do aço, do dinheiro e da
falta de respeito com todas as menininhas iguais a que eu fui.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional,
membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico,
ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Que pena, Mara. Não me lembro de ter visto ou experimentado nem murici, nem pequi. Abraços pra você!
ResponderExcluirQuando vier a Montes Claros, conhecerá pequi, relativamente preservado depois de ferrenhas campanhas.
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