Luzes no inverno
Amigos são necessários – diria que são
indispensáveis – em todas as épocas da vida.
Acompanham-nos para o que der e vier, exortam-nos quando estamos prestes
a desanimar, admoestam-nos quando erramos, orientam-nos em nossas dúvidas,
criticam-nos quando procedemos mal, elogiam-nos quando agimos com bom-senso e
sabedoria etc.etc.etc de acordo com as necessidades e circunstâncias. Vibram
com os nossos sucessos e nos são solidários nos fracassos. Pelo menos, é o que
se espera deles.
Os que não satisfazem essas condições,
esse padrão de conduta, podem ser tudo – colegas, simpatizantes, meros
companheiros etc. – menos amigos. Instintivamente, deixamos de considerá-los
como tal. Ao não satisfazerem nossas expectativas, se rompe, às vezes
abruptamente, o elo de confiança e de intimidade que tínhamos com essas
pessoas.
Algumas (e não raras) se transformam,
até, em ferozes inimigas, como ocorre com os que odeiam alguém (que quase
sempre são os mesmos que um dia amaram quem é hoje odiado e ou foram traídos,
ou repelidos, ou tiveram profunda decepção com ele). Pude testemunhar inúmeros
casos desse tipo, embora, felizmente, isso nunca tenha ocorrido comigo.
Uma das condições essenciais para se
“ter” um amigo é “ser” amigo. A amizade, como o amor, exige reciprocidade. Não
pode, portanto, ser unilateral. Nunca é um solo, mas sempre um dueto (ou um
coral, quando for o caso). As verdadeiras amizades resistem a crises, abalos,
males-entendidos, discussões, brigas etc.. Ou seja, tudo o que atrapalhe um
relacionamento maduro e profundo. Não raro, até, após essas “tempestades”,
depois desses rompantes, se fortalecem, consolidam e perpetuam.
Tive e tenho o grato privilégio de
contar com muitos amigos, alguns de já várias décadas, nos quais confio tanto a
ponto de depositar minha própria vida, se preciso for, em suas mãos. E o que
nos uniu a esse ponto? Não sei explicar. Da maioria, não recebi um único favor.
Mas as amizades que se prezam prescindem de comprovações. Tenho absoluta
certeza (na verdade, intuição) que, se um dia vir a precisar dessas pessoas,
elas não me faltarão, para o que der e vier. E a recíproca, claro, é
verdadeira.
Muitos desses amigos queridos já
faleceram, mas não os esqueço jamais. Iluminaram minha vida enquanto puderam
estar presentes e deixaram uma saudade gostosa, de momentos inesquecíveis que
pudemos partilhar. São amizades antigas, da juventude, dos bancos escolares,
dos lugares em que trabalhei, dos campos de futebol, das baladas e das mútuas e
infindáveis confidências das nossas múltiplas dúvidas e esperanças. São luzes
da primavera que continuam a brilhar neste já princípio de inverno.
As amizades, pois, são essenciais para
uma vida sadia e equilibrada, em qualquer período da nossa trajetória no mundo.
Mas em nenhuma outra época os amigos são mais bem-vindos (e necessários) do que
na velhice. Este é um período crítico e assustador para a maioria, em que a
solidão se torna ameaçadora e rude, os “fantasmas” são cada vez mais constantes
e onipresentes e os caminhos, por mais suaves que sejam, se embaralham e
confundem e parecem sempre sombrios e perigosos.
É quando a luz de uma amizade brilha
mais intensa e ganha muito maior valor. É quando o diálogo se torna mais denso
e a interação de duas almas tem chances de ser completa. E nem é preciso que
ambos sejam contemporâneos, de idades próximas. Podem estar separados por
gerações e, ainda assim, sempre irão encontrar pontos comuns de identidade,
interesses coincidentes, sólidos elos que os liguem. Para isso acontecer,
todavia, não pode haver preconceitos de parte a parte.
Algumas amizades se tornaram célebres,
quer pela intensidade, quer pela duração. A Bíblia nos fala, por exemplo, da
que ligou Jônatas e Davi. Também nos relata a que uniu Timóteo e Tito,
discípulos do apóstolo Paulo, companheiros inseparáveis na árdua missão de
disseminar o cristianismo por todas as partes do mundo, numa época em que os
que professavam essa crença eram vítimas de ferozes perseguições.
Na Literatura brasileira, é conhecida a
ligação afetiva do então já experiente e vivido Joaquim Nabuco e do jovem e
promissor Graça Aranha, que rendeu excelentes frutos para as duas partes. E a
de Francisco Escobar com Euclides da Cunha. E a de Monteiro Lobato com
Godofredo Rangel. E a do já citado Nabuco com Machado de Assis. E poderia
desfiar casos e mais casos de amizades que nunca terminaram.
Eu poderia apresentar uma lista enorme
(felizmente) de amigos antigos e recentes, dos tempos de juventude e dos que
conheci na semana passada, todos preciosos, onipresentes e imprescindíveis, mas
não o farei para não aborrecer ainda mais o paciente leitor com minhas
confidências. Afinal, como escritor, é a sua amizade e a sua fidelidade que
quero conquistar... e conservar, logicamente.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Como escrevi no Facebook, tenho uma amizade que no mês que vem faz 50 anos. Tenho me decepcionado com novos amigos.
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