Desafiando a natureza
* Por
Pedro J. Bondaczuk
A humanidade é confrontada, nesta
segunda década do século XXI, com um sem número de problemas, cuja solução se
torna cada vez mais premente, mas que não se vislumbra como algo que esteja
sequer minimamente próximo de ocorrer. Pelo contrário, entra ano sai ano, entra
década sai década, entra século sai século e nada de se encontrarem saídas para
os impasses que ameaçam e confrontam a espécie.
Questões que remontam ao princípio do
que convencionamos chamar de civilização, como injustiça social, desastrosa
distribuição de riquezas geradas por diversas sociedades nacionais, guerras
estúpidas e sem sentido (todas são), fome, miséria, desesperança das massas,
preconceito de raça, cor, sexo e religião, violência doméstica e urbana e
outras tantas mazelas, tão antigas quanto o próprio homem, permanecem mais
presentes do que nunca no comportamento cotidiano. Com uma agravante: a
população mundial multiplicou-se por sete, desde o início do século XX e segue
aumentando em progressão geométrica, enquanto os meios para mantê-la viva
crescem em progressão aritmética. E isso considerando-se que não haja
distorções, como a da concentração das finitas riquezas da Terra em cada vez
menos mãos. Mas... evidentemente há.
De todos os problemas que ameaçam a
sobrevivência da espécie, e o mais relegado a um plano secundário, destaca-se o
da superpopulação. A reprodução é um dos instintos básicos de toda e qualquer
espécie de vida, quer a unicelular, quer as estruturas mais complexas, como os
animais, entre eles o homem. É um processo que ocorre à revelia, tanto dos
irracionais, quanto do único ser vivo dotado de razão. A natureza, todavia, tem
mecanismo próprio para evitar que determinada espécie se reproduza em quantidade
maior do que os recursos necessários à sua sobrevivência. Utiliza-se dos
predadores. É um processo cruel, mas inflexível e necessário.
O homem, ao longo de milênios, também
já chegou a ser presa. Todavia, o recurso magnífico de que é dotado, a
inteligência, fez com que provesse formas de defesa que lhe garantiram a
sobrevivência. Fabricou armas e abrigos seguros, por exemplo. E foi mais longe:
tornou-se, ele, o predador dos seus antigos predadores. Tanto que já provocou a
extinção de um número muito grande de espécies e outras tantas correm sérios
riscos de desaparecer.
Os predadores mais resistentes que o
ser humano ainda tem, são invisíveis a olho nu: os vírus e bactérias, que o
atacam no interior do próprio organismo, afetando seu funcionamento normal,
causando-lhe o colapso (doenças) e levando-o, afinal, à morte. Mesmo estes, no
entanto, vêm sendo, paulatinamente, vencidos, mediante medicamentos cada vez
mais potentes e eficazes, práticas de higiene simples, mas eficientes,
desconhecidas num passado ainda recente e técnicas médicas cada vez mais
bem-sucedidas para seu restabelecimento. Não é por acaso, pois, que a espécie
teve (e tem) explosiva multiplicação em decorrência desses avanços na luta
contra seus invisíveis predadores.
Claro que, como indivíduo, cada um de
nós faz tudo o que for possível para sobreviver, e o máximo de tempo que
conseguir. É instintivo. E vamos mais longe, empenhamo-nos para preservar
nossas características genéticas básicas na nossa descendência. Ocorre que o
que é bom no plano individual pode não o ser no coletivo. A existência de mais
pessoas no mundo implica em maiores necessidades. O Planeta, porém, tem
limites, tanto espaciais, quanto de geração do que é essencial à vida humana.
E, a própria lógica sugere, já estamos nos aproximando celeremente deles que, a
rigor, não conhecemos com precisão quais são.
Jacques Maritain escreveu sobre nossa
condição individual e, simultaneamente, coletiva, ou seja, como partes de um
todo: “Cada ser humano é um indivíduo
como o animal, a planta, o átomo, fragmento de uma espécie, parte singular da
imensa rede de influências cósmicas, étnicas e históricas que o dominam. E ao
mesmo tempo é uma pessoa, quer dizer, um universo de natureza espiritual,
dotado de livre-arbítrio e, como tal, um todo independente em face do mundo”.
E quem foi esse ilustre pensador?
Jacques Maritain, que faleceu em 22 de abril de 1973, foi um filósofo francês,
de orientação católica (era da escola tomista), que, entre outras coisas,
influenciou a ideologia da democracia cristã. Produziu muito, legando à
posteridade mais de 60 livros.
Um dos escritores que mais se
preocuparam com a questão da superpopulação, foi o inglês Aldous Leonard
Huxley, falecido dez anos antes de Jacques Maritain, em 22 de novembro de 1963.
Foi um dos mais festejados e aclamados romancistas do século XX, cuja obra mais
lida e mais citada é “Admirável mundo novo”. Li, desse autor, além desse livro,
“Contraponto”, “Sem olhos em Gaza”, “Ronda grotesca”, “Volta ao admirável mundo
novo”, além dos ensaios “As portas da percepção” e “A situação humana”.
Mesmo que contestemos algumas de suas
teses, foi um dos ficcionistas que mais tratou de temas polêmicos, sobretudo de
projeções do futuro. A propósito da “bomba populacional”, a seu ver, potencialmente
mais letal que as armas nucleares, Huxley escreveu o seguinte, no romance
“Volta ao admirável mundo novo”: “É
diante desse sinistro cenário biológico que se desenrolam os dramas políticos,
econômicos, culturais e psicológicos do nosso tempo. À medida que se escoar o
século XX e os novos bilhões se acrescentarem aos já existentes (haverá mais de
cinco bilhões e meio de homens quando minha neta tiver 50 anos) este cenário
biológico avançará”.
E acrescentou, mais adiante: “O
problema dos números, que rapidamente se multiplicam em relação aos recursos
naturais, à estabilidade social e ao bem-estar dos indivíduos, é a questão
fundamental da humanidade; e permanecerá sendo o problema crucial por outro
século e talvez por muitos outros séculos no futuro. Supõe-se que uma nova era
se iniciou a 4 de outubro de 1957. Porém, no contexto presente, toda a nossa
exuberante conversa pós-Sputnik é irrelevante. Se tomarmos como ponto de
referência as massas de humanidade, a era vindoura não será a Era do Espaço e
sim a Era da Superpopulação”.
E não é o que ocorre, sem que o tema
sequer seja objeto de debate nos meios de comunicação, a não ser
incidentalmente, e para ser rebatido com ênfase pelos que se julgam acima do
bem e do mal que, todavia, não passam de alienados? Qual o limite de pessoas
que a Terra comporta, sem que a civilização e a natureza entrem em colapso e a
espécie se veja confrontada com o risco de extinção? Nove bilhões? Dez bilhões?
Doze bilhões? Dezesseis bilhões? Ninguém sabe! E, desgraçadamente, poucos,
pouquíssimos se interessam em saber.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Eu tive apenas um filho, o qual não substituirá seus pais. Eu contribui para a não superpopulação.
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