À
nossa revelia
O amor é caprichoso e nasce, quase
sempre, à nossa revelia. Nunca avisa como, onde, quando e por quem irá se
manifestar. Pega-nos completamente de surpresa, desarmados, e deixa-nos
atônitos e indefesos. Caso quiséssemos (ou queiramos) nos defender dele, não
conseguiríamos (ou não conseguimos). Somos “flechados”, inevitavelmente, pelo
irresponsável Cupido e passamos a viver, doravante, e simultaneamente, as penas
do inferno e as delícias do paraíso. O amor raramente depende da nossa vontade
ou da nossa escolha. Às vezes coincide em ter como alvo alguém que desejaríamos
amar. Às vezes.... Porém, muito raramente.
O amor surge de repente, do nada,
quando menos esperamos, e pela pessoa que jamais supúnhamos que iríamos nos
apaixonar. Já tentei apaixonar-me, por exemplo, por amigas às quais prezava
muito. Em vão! Os sentimentos são diferentes, embora tenham componentes comuns.
Às vezes havia, até, genuíno afeto, além de identidade de idéias e de
propósitos. Faltava, todavia, aquele algo mais, aquele magnetismo inexplicável,
aquela química. Por isso, a tentativa, invariavelmente, morria quase que no
nascedouro.
Frise-se que termos, simultaneamente,
amizade e amor pela mesma pessoa, é uma dobradinha ideal e invencível. É, sem
dúvida, uma bênção. Todavia, nem sempre ambas andam juntas. Aliás, é a falta de
uma delas a causa mais comum de rompimentos de relacionamentos que pareciam
sólidos e estáveis e que, contudo, não eram.
Nem sempre a beleza conta nessa
história de paixão. Busquei apaixonar-me por mulheres belíssimas, que
demonstravam gostarem de mim, mas... ao dar-lhes o primeiro beijo, não ouvia os
sininhos tocarem no fundo do cérebro. Todavia, cheguei a apaixonar-me
profundamente por uma pessoa com a qual, durante muito tempo, por anos até,
mantive situação de antagonismo e confronto. Julgávamo-nos inimigos
inconciliáveis. Mas... quando menos esperei... zás! Lá estava eu fisgado, como
um peixe que não soube fugir do anzol.
Um belo dia, após outra das nossas
tantas e azedas discussões, fiquei fascinado pelo brilho e beleza do seu olhar.
Até então, nunca havia notado esse detalhe. Atentei bem e descobri que ela era
uma mulher belíssima. Daí para a paixão... foi um piscar de olhos. Desconfiei
que algo parecido havia ocorrido com minha até então feroz antagonista. Quando
me dei conta... já não suportávamos mais a ausência um do outro.
Com os anos, percebi que essa dramática
e abrupta mudança de sentimentos era muito mais comum do que eu pensava. Luiz
Vaz de Camões descreveu bem essa situação, nestes dois tercetos de um dos seus
mais célebres sonetos, em que diz:
“Estando
em terra, chego ao céu voando,
numa
hora acho mil anos, e é de jeito
que
em mil anos não posso achar uma hora.
Se
me pergunta alguém por que assim ando,
respondo
que não sei; porém suspeito
que
só porque vos vi, minha senhora”.
Gosto de escrever sobre o amor, embora
nunca tenha conseguido acrescentar algo de novo, ou de minimamente inteligente,
ou qualquer coisas que prestasse, ao tema. Não importa. Afinal, estou em
fartíssima companhia. Esse é o assunto que mais gera textos ruins, piegas e
adocicados. Ou seja, que mais produz má-literatura (e não é de hoje). É um perigoso
pântano para os que se propõem a escrever bem e queiram, sobretudo, ser
originais. Nem sempre é o meu caso.
O interessante é que, mesmo repetindo
“ad náusea” esse tema superbatido (mudando, aqui e ali, apenas o enfoque, para
enquadrá-lo ao meu estilo peculiar) sinto que meu leitor aprecia quando escrevo
sobre amor. Confesso que também gosto de ler a respeito (desde que, claro, o
redator não cometa atrocidades semânticas, gramaticais ou de lógica, o que é,
infelizmente, para lá de comum). Quando leio textos desse tipo, dou asas à
imaginação e lembro das minhas grandes (e inesquecíveis) paixões, ora com
nostalgia, ora com gostosa saudade.
O amor é o único sentimento que nos
causa, quase que simultaneamente, o prazer dos prazeres, (ou seja, o êxtase), e
a dor mais profunda e grave, capaz, até, de nos matar. Oscila, de uma condição
a outra, com uma velocidade espantosa, que nos deixa aturdidos e sem reação.
Ao contrário do que muitos pensam, ele
nunca é igual, mas varia de intensidade, do grau um ao infinito. O zero,
evidentemente, é a sua total ausência. Por mais que tentemos, somos impotentes
para expressar as sensações contraditórias que ele produz. Mas todos os que já
passaram por essa experiência maravilhosa e inigualável sabem o que ocorre, embora
não consigam descrever.
As palavras são pequenas demais,
pobres, paupérrimas, minúsculas, ínfimas, para expressar sentimento tão
grandioso. Por isso rogo, mais uma vez, ao amável e paciente leitor, que me
perdoe (pela trilionésima vez) por mais estas desconexas divagações.
Já que citei Luiz Vaz de Camões acima,
nada melhor do que recorrer, de novo, ao poeta maior de língua portuguesa. São
de sua autoria estes versos antológicos, que expressam, a caráter, essa
impossibilidade de expressão face à pessoa amada (citadíssimos, por sinal,
embora muitos que os citem desconheçam a autoria):
“Onde
esperança falta, lá me esconde
amor
um mal, que mata e não se vê;
que
dias há que na alma me tem posto
um
não sei quê, que nasce não sei onde
vem
não sei como, e dói não sei por quê”.
Lindos versos, não é verdade? Lindos e
verdadeiros. O que se conclui (de todo este meu adocicado blá-blá-blá) é que o
amor (creio que sempre, mas não ouso afirmar peremptoriamente), nasce e se
desenvolve à nossa revelia. Mas quando (ou se) morre, isso acontece por nossa
única e exclusiva incompetência.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Ler sobre o amor tem a propriedade de reabrir feridas, fazê-las sangrar.
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