Filha do
tempo
“A
verdade é filha do tempo e não da autoridade”. (Berthold Brecht).
O ensaísta Henry David Thoreau
constatou, em um dos seus tantos e lúcidos ensaios, que “é preciso duas pessoas
para falar a verdade – uma para falar e outra para ouvir”. Ou seja, é
indispensável que haja testemunha do que foi dito, para que outros acreditem
que não se mentiu (ou se inventou, o que vem a dar na mesma). Isso, quando se
trata da revelação (e posterior descrição) de fatos do cotidiano. Imagine o
leitor o que ocorre quando se trata de apresentar conceitos abstratos,
subjetivos, impossíveis de serem comprovados de forma concreta!
Onde está a verdade? O que ela é? Como
pode ser identificada em meio a um emaranhado de dezenas, de centenas, não raro
de milhares de versões e de especulações? Existe essa possibilidade de
identificação? Não acredito! Não se trata de ceticismo, mas de comezinha
lógica. Raciocinemos.
Muitos juram que pautam suas vidas pela
verdade, notadamente líderes religiosos, filósofos, ideólogos e afins. Todavia,
quando lhes pedem que a definam, se perdem em ambigüidades, elucubrações e
vazios lugares-comuns. Tentam, isso sim, impor suas “versões” mediante sofismas
e jogos de palavras, quando não através da força. Convencem os tíbios, os
néscios e os poltrões. Mas, a rigor, nem eles mesmos ficam convencidos do que
apregoam com tamanho afã, embora jurem que sim.
A história está repleta de páginas
sangrentas, de violências e de opressão, de pessoas e instituições que tentam
impor, a ferro e fogo, as suas “verdades”. E tudo por que? Apenas para
manifestarem um suposto poder que, de fato, nada pode contra a força das idéias
e, principalmente, contra a morte. Nunca houve, não há e jamais haverá um único
homem que seja tão poderoso ao ponto de escapar dessa niveladora de todos os
seres viventes.
Todo poder é temporário, pífio,
mesquinho e não resiste a um par de anos, não importa quantos, quando não a
meros meses, semanas, dias ou até mesmo horas. Quando menos quem julga detê-lo
espera, uma doença súbita, ou acidente ou, no pleno gozo da saúde, uma
repentina parada cardíaca, reduz esse arrogante e prepotente, que julgava tudo
poder, a mera massa de carne fria, inanimada, que começa a cheirar mal poucas
horas depois do coração parar de pulsar.
Este é o poder humano?! Que pobre e
mesquinho! Por isso, concordo com a afirmação de Bertholt Brecht, quando observa
que “a verdade é filha do tempo e não da autoridade”. E isso no que diz
respeito àquela meramente factual. A subjetiva, nem mesmo a eternidade pode
comprovar. Restringe-se ao movediço terreno das mais variadas especulações.
Ademais, se formos analisar bem, só há
uma (e única) verdade absoluta. E mesmo esta, alguns céticos tentam combater e
negar: Deus (deem o nome que Lhe quiserem dar). Tudo o mais não passa de
teorias, fabulações e aparências. E, convenhamos, nem tudo o que “parece”, de
fato é. Não por acaso a sabedoria popular consagrou uma expressão que, de tanto
repetida, se tornou surrado clichê. Não há quem não a conheça. Claro, refiro-me
à peremptória afirmação que “as aparências enganam”. E como enganam!
A opção pela beleza parece-me a mais
sensata, já que, ao contrário da “verdade”, há um certo consenso em torno dela
(embora nunca absoluto). E salvo raras exceções (e estas existem em tudo na
vida), dificilmente o que de fato é belo, não é, também, muito bom.
O filósofo Will Durant constata, no
livro “Filosofia da Vida”: “A verdade parece algo muito pobre diante da
beleza”. Depende, claro, a que verdade o pensador se referiu. Se for a esta,
dos homens, não há como discordar. Esta não apenas é pobre, nesta comparação,
senão paupérrima, e em seu grau mais superlativo. Prefiro esta que é a
prerrogativa dos artistas (e das pessoas criativas). Refiro-me à fantasia, que
pode ser ilimitada. Basta que tenhamos disposição e coragem para afrontar sua
imensidão.
Criar, criar e criar é o desafio que se
impõe ao homem. Não só objetos, posto que, dada sua limitação física, suas
possibilidades de criação nesse campo sejam mínimas. Mas no plano espiritual,
as possibilidades são quase infinitas. É apenas com esse exercício criativo,
permanente, constante, exaustivo, que o homem exerce, de fato, sua humanidade.
A isso é que chamo de “Arte”.
A preservação da vida física, óbvio,
não é prerrogativa humana. É resquício do instinto de sobrevivência que todo o
ser vivente possui, animal ou vegetal. Ademais, é um exercício inútil, face à
realidade da morte. O que podemos, com muita sorte, é contribuir, com atitudes
sensatas e saudáveis, para uma vida um
pouco mais longa, e olhem lá!.
Devemos, sim, lutar para sobreviver,
mas em um outro terreno, que não o da matéria. E não acredito numa hipotética
sobrevivência da alma (ninguém me demonstrou, com fatos concretos, essa suposta
“verdade”). É nosso dever registrar, de alguma forma (qual? Não importa!) que
um dia existimos, pensamos, sentimos, tivemos medo, raiva, dor e saudade, mas
fizemos dessa traumática "matéria-prima" um universo de sonhos e de
fantasia. Pois esta é uma das raras verdades que considero inquestionável (mas
que jamais tentarei impor a quem quer que seja).
Boa leitura!
O Editor.
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