Atalho para o amor
O amor sempre foi, é e será mistério
insondável para os que tiveram a ventura de passar por essa experiência
marcante, a mais profunda e compensadora da nossa vida. Quem nunca passou por
ela, porém, não tem (e nem pode ter) a menor noção da sua intensidade e
transcendência.
Às vezes convivemos anos com uma pessoa
do outro sexo, pela qual não sentimos nada de especial e com quem, não raro, brigamos
continuamente, achando, até, que a detestamos e que a recíproca seja verdadeira.
Lá um belo dia, porém, sem nenhum aviso ou explicação, nos sentimos
irresistivelmente atraídos por esse alguém, a ponto de o considerarmos o centro
e a razão de nossas vidas.
Caso haja correspondência, vivemos,
então, momentos de delírio e de sofrimento inigualáveis, que nenhum outro tipo
de sentimento provoca. Mesmo que não correspondidos, no entanto, essa emoção
ímpar, brotada, literalmente, do nada, marca nossas vidas para sempre.
Mas o amor é caprichoso e não raro
injusto. Idealizamos uma parceira perfeita, que satisfaça todas as nossas
expectativas físicas e emocionais. Quase sempre, porém, na convivência real, na
maçante rotina do dia a dia, caso os dois parceiros não continuem alimentando,
mutuamente, a fantasia da perfeição que os atraiu e ligou, os defeitos reais de
ambos se tornam visíveis e, às vezes, insuportáveis. E, se não forem tolerados
por uma das partes, ou por ambas, o afeto mútuo que os atraía, e que julgavam
que seria eterno, sofre morte súbita.
O amor que consegue sobreviver a esses
instantes de lucidez e insatisfação, se perpetua e acompanha o casal até a
morte. O que não sobrevive... Mas mesmo quando acaba, deixa vestígios de
ternura e encantamento na alma e na memória dos amantes, tenham ou não consciência disso.
Concordo, no entanto, com Vinícius de
Moraes quando acentua: “o amor é eterno, enquanto dura”. O delírio, causado por
esse sentimento, em seu auge, pode ser simbolizado por estes tercetos do
“Soneto XVI”, do poeta araraquarense Raphael Luiz Thomas, que dizem:
“Não sei que força esplêndida e
plangente
no coração o amor me vai soprando
em me levando a esse suspiro infindo...
Não me importa saber – sentir somente:
vivendo em ti eu morrerei cantando,
morrendo em mim tu viverás sorrindo!”
Que o amor, em todas as suas formas e
variações, é o maior sentimento que o ser humano pode ter, é ponto pacífico. Disso
restam poucas dúvidas (se é que haja alguém que duvide). Todavia, por estranho
que pareça, o tema é verdadeiro campo minado para os poetas que busquem a
originalidade e a perfeição.
Quase sempre, ao abordá-lo, ele resvala
para a mesmice, o lugar-comum, até para a pieguice, para o seu desespero e
frustração. As metáforas, não raro, são pobres, os versos são vacilantes e o
conjunto do poema é até pueril. Exagero?! Não!
Claro que há magníficos poemas de amor,
recitados por apaixonados ao redor do mundo e através dos tempos. Isso não quer
dizer que o tema seja de fácil abordagem. E por que tanta dificuldade? Por
incompetência do poeta? Nem sempre (ou quase nunca). Ocorre pela própria
intensidade e complexidade desse sentimento.
Concordo com Fernando Pessoa, quando
constata a propósito: “A melhor espécie de poema de amor é, em geral, escrito a
respeito de uma mulher abstrata. Uma grande emoção é por demais egoísta,
absorve em si própria todo o sangue do espírito, e a congestão deixa as mãos
demasiado frias para escrever”. E olhem que Fernando Pessoa, do alto do seu
talento, sabe o que diz.
Embora não se possa afirmar com
segurança – já que não nos é dado o privilégio de conhecer, sequer, nossas mais
íntimas intenções, quanto mais a dos outros – tenho a intuição de que nem as
piores feras humanas, os homens mais sanguinários e maus, estão satisfeitos com
essa condição.
Tudo indica que, na verdade, querem ser
justos e bons e sonham em ser amados, como qualquer pessoa normal. São, porém,
atropelados pelas circunstâncias, pelas deficiências (ou ausência) de educação,
por taras congênitas que escapam ao seu controle e vontade, por infâncias
infelizes em lares violentos e desestruturados, pela influência do meio em que
nasceram e cresceram etc.etc.etc.
Creio, piamente, na bondade latente do
homem. Alguns optam apenas por ela e se tornam admirados e amados por gerações
e gerações. Outros, talvez a maioria, acabam por se deixar abater pelas
circunstâncias e acumulam ódios, ressentimentos, mágoas e espírito de vingança
contra a sociedade que, em suas mentes doentias, é a fonte de todos os seus
males.
Conversei com vários marginais – tidos
e havidos como bandidos irrecuperáveis, sanguinárias e impiedosas feras humanas
– e senti, em todos eles, sem nenhuma exceção (posto que em intensidades
diversas) que seu sonho supremo na vida (para eles fantasioso e irrealizável)
era o de serem amados e admirados por alguém (não importa quem), embora nenhum
admitisse culpa por seus atos horrendos e criminosos.
John Steinbeck escreveu a respeito, no
livro “A Leste do Éden” e constatou: “Na incerteza, estou convencido de que,
por baixo de suas camadas superiores de fragilidade, os homens querem ser bons
e querem ser amados. Na verdade, a maioria dos vícios é uma tentativa de atalho
para o amor. Quando um homem morre, não importa qual tenha sido seu talento,
influência e gênio, sua vida foi um fracasso se morreu sem amor; sua morte é um
frio horror”.
Também estou convicto disso, pelas
observações que tive a oportunidade de fazer ao longo dos anos. Se são exatas,
ou não, claro, não tenho a menor condição de assegurar. Mas a intuição me
sussurra que são corretíssimas. E confio nela para extrair minhas conclusões do
que observo.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Sem amor é impossível ser feliz.
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