Virtual para
fugir do real
* Por Adelcir Oliveira
Ouço histórias. As pessoas me contam. Penso em deitá-las
aqui. Protelo. Deixo de lado e esqueço. As histórias, como as pessoas, vêm e se
vão. É assim mesmo.
A vida não é exatamente como a gente quer. E nisso reside
parte da sua beleza. Eu, por exemplo, tenho anseios os quais
circunstancialmente não é possível dar asas. E não é garantido que um dia
poderei realizá-los. Tampouco se ainda terei tais anseios. E se serão apenas
estes. Ou outros. Se fosse tudo previsível, seria a vida chata demais. A
imprevisibilidade é tempero. Dá um toque de emoção. Angustia, sim. Mas é melhor
assim.
Hoje faz frio. Sigo em Sampa. O dia me seria belo se meu
humor estivesse bom. Quando estou assim, bem pouca coisa me agrada. Quase tudo
me incomoda. Mas é hoje. Só hoje. "E isso
passa..."
Sigo para o trabalho. Sim, em pleno sábado. A cidade não
para. "Sou mais um na multidão". Mas onde eu gostaria de estar agora?
De certo, no mesmo lugar que a maioria. Em casa. Sozinho? Sim, hoje assim.
Comigo. Mas, e no decorrer do dia? Seguirei com este desejo de solidão? Não sei
ao certo. Enfim...
Claro, se você não está bem. Não está agradável. É melhor
ficar assim mesmo, só. Evitar. Preservar. E isso vai da importância que você dá
ao outro. O cuidado que você tem. A forma delicada como trata a pessoa que
gosta. Tem estima e carinho. Gosta de fazer bem a ela. Por isso, preferir estar
só muitas vezes pode ser forma de expressar sentimentos. Deixe de lado a
angústia. Qualquer culpa. Sinceridade
faz parte. Faz bem.
A temperatura subiu. O humor melhorou. E eu sigo. Você
segue. O mundo vai. Palavras mal escritas são trocadas pela internet.
Afetividade de fato, real e sincera, é escassa. O que vale é alimentar a
virtualidade. Mas cuidado. Abdique de generalizações. Sempre. A internet também
é espaço para expressar sentimentos sinceros. Vá com calma.
Tenho lido menos os livros que estão à minha disposição.
Sigo lendo. Vagarosamente. A culpa? Dela. Da internet. Embora eu a utilize para
ler também. Contudo, dada a carência, esta que é inerente ao ser humano, e
absolutamente positiva e necessária, o desejo de falar com o outro se coloca em
primeiro plano. E isso acontece quando você nutre carinho e sentimentos, reais
e verdadeiros, que o faz querer ter com o outro, mesmo que de modo virtual,
distante. Aliás, a distância é um dos maiores alimentos dos romances. Nutre
saudades. Desejos. Constrói sentimentos. Tudo, evidentemente, dentro de
limites. E isto é tão óbvio, que dizer pode ser desnecessário. Mas não. Melhor
dizer. Deixar bem claro. Antecipar-se à crítica.
A temperatura sobe e o humor segue em compasso de melhora. O
ser humano é absolutamente circunstancial. Minha cunhada diz que vivo o
momento. E não poderia ser diferente. O que viver senão o momento? Por isso o passado não me importa. O futuro
não idealizo. A vida para mim é como disse o escritor, do jeito que é. Não há
ninguém no comando. Se somos peças no tabuleiro, quem nos move somos nós mesmos.
Melhor deixar a infantilidade de lado e assumir a responsabilidade de si.
Voltando à internet. Que agora também é móvel. Contribui para que cada vez mais a pessoas
vivam ilhadas. Falo de mim. Falo de você. Não é preciso se esconder. Eu sou o
outro. Você é o outro. Você e eu somos as mesmas pessoas. E todos somos ilhas.
Quanto mais distantes do outro, mais protegido nos sentimos. E o silêncio é
cada vez mais no mundo real. O virtual cada vez mais toma conta. Um barulho
frenético de palavras desconexas, cujo filtro resulta em quase nada.
Terminei o dia em um bar. Festa de uma amiga em companhia de
grandes amigos. Dois deles. Em pleno bairro da Praça da Árvore. Local onde
morei antes de retornar para o Tucuruvi. O humor, embora tivesse melhorado,
voltou a a incomodar. Nem sempre é bom estar entre tantas pessoas. O desejo
pelo regresso era grande. O virtual aliviou o incômodo com o real. Tive cia
muito desejada. Queria mesmo que ela estivesse comigo no real. Mas, como foi
dito no início, a vida não é exatamente como a gente quer. E nisso reside a sua
beleza. Vale repetir. Assim, ela esteve comigo no virtual. Expressou-se por
palavras. E se ri, foi ela quem me fez rir. Deixei de lado o que me circundava,
sem de fato esquecer e deixar de dar atenção aos dois amigos. Mas ela me
ajudou. Virtualmente me ajudou. E fez com que eu fugisse dali sem deixar de
estar. Eu, realmente, era ilha. E nesta ilha queria estar a sós apenas com
ela..
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Blogueiro
e corretor de imóveis
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