Os quatro
motores
“A nave espacial Terra é movida por
quatro motores associados e, ao mesmo tempo, descontrolados: ciência, técnica,
indústria e capitalismo”. Esta lúcida (e oportuna) observação foi feita por um
dos maiores intelectuais da atualidade que, em julho de 2016 completou 95 anos
de idade, e que segue firme e forte na inglória tarefa de tentar esclarecer os
néscios e, sobretudo, os que têm o poder e a prerrogativa da tomada de
decisões. Refiro-me ao francês Edgar Morin, homem de espírito arejado, que
soube se adaptar aos tempos atuais e usufrui, sem cerimônia, do que a
tecnologia tem de melhor.
Sou seu admirador incondicional e,
apesar da complexidade dos temas que aborda, “devorei” a maioria dos 50 livros
que escreveu. Identifico-me de tal sorte com o seu pensamento, que não deixei
de citar suas observações em praticamente nenhuma das tantas palestras que fiz
tempos atrás por aí.
Sheila Grecco escreveu o seguinte a seu
respeito: “Edgar Morin detesta os estudiosos apocalípticos, assiste sem
preconceitos as telenovelas, gosta de western, usa laptop para escrever, navega
pela internet, tem paixão pelo Carnaval e pelas mulheres brasileiras, ri da
tecnoburocracia científica e, apesar disso ou exatamente por isso é um dos
maiores intelectuais franceses em atividade”. Eu diria que é um dos maiores não
somente da França, mas de todo o mundo, entusiasmos a parte.
Morin fez a observação, com que abro
mais este nosso periódico bate-papo, este tête-a-tête que para mim é tão agradável (espero que também o seja
para os leitores), em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo em 31 de
março de 2002, intitulado “Por uma globalização plural”. O grande problema, que
faz a espaçonave Terra vagar sem rumo, é que seus quatro motores se resumem, na
verdade, num só: capitalismo. Os outros três lhe estão subordinados por
completo. Ou seja, servem à minoria, ao um terço da população do planeta, que
subjuga, escraviza, domina e explora os outros dois terços.
Isso pode funcionar (como, de fato, vem
funcionando) por um certo tempo. Mas, por quanto? Antes que me colem algum
rótulo na testa, me apresso em revelar que não sou e nunca fui adepto do
comunismo. Não, pelo menos, daquele arremedo caricato de socialismo que existiu
na extinta União Soviética, entre 1917 e 1991. A falida e ora
desmantelada URSS nunca foi comunista. Não teve um único dos princípios básicos
propostos pelos criadores dessa tão sonhada utopia. Erich Fromm demonstrou isso,
de sobejo, em seu livro “A revolução da esperança”. Provou, por a + b, sem
sombra de dúvidas, que ali o que existiu foi uma das formas mais distorcidas e
perversas de capitalismo: o de Estado. Tratou-se de mero Estado policial. Não
poderia dar certo mesmo, como, de fato, não deu.
Para que a espaçonave Terra pudesse
seguir num rumo ordenado e lógico, teria, pois, que trocar um dos motores. E
substituí-lo por dois outros: o da solidariedade e o da justiça social. Nem é
necessário designar qual deveria ser o substituído. Claro que é o deste
vicioso, perverso e vil capitalismo selvagem, que fabrica famintos,
desesperados, irados e sem perspectiva zumbis, mortos-vivos sem objetivos e sem
esperança, aos bilhões. Utopia? Claro! Nenhum ser humano inteligente e
bem-informado vive sem uma!
E como seria feita essa “troca de
motores”? Edgar Morin recomenda que por meio da educação. Que se faça mediante
profunda mudança de mentalidade, através de um sincero, honesto e pragmático
diálogo entre o um terço privilegiado e os dois terços explorados dos
tripulantes e passageiros desta tão especial espaçonave. Afirma, em determinado
trecho do referido artigo: “Defendo que a educação do futuro deverá velar a
idéia da unidade da espécie humana, unidade que não encobre a sua diversidade e
diversidade que não encobre a sua unidade. Há uma unidade humana, que não é
dada somente pelos traços biológicos do homo sapiens. A diversidade não é
somente marcada pelos traços psicológicos, culturais, sociais do ser humano.;
Há uma diversidade biológica no seio da humanidade, há uma unidade não somente
cerebral, mas mental, psicológica e afetiva”.
Isto ainda é possível? Claro que sim! Mas
a troca de motores tem que ser feita com urgência urgentíssima, precisa começar
já, antes que o rumo equivocado da espaçonave Terra se torne irreversível. Está
claro, claríssimo para qualquer pessoa minimamente lúcida, que o planeta está em
rota da catástrofe. Não precisa ser nenhum apocalíptico para perceber isso (e
Morin nunca foi).
A cupidez desmesurada do um terço
privilegiado já causou danos, nas últimas três ou quatro gerações, que talvez nem
tenham mais conserto. E não me refiro aos prejuízos e desajustes sociais, mas à
depredação irresponsável e insensata do meio-ambiente. O efeito-estufa já está
aí, provocando desastres e mais desastres climáticos, para todo o mundo ver e
sentir. Mas as grandes corporações não estão nem aí para esses danos. Continuam
emporcalhando, depredando, destruindo o solo, as águas e, sobretudo, o ar que
garantem a vida tanto para os exploradores quanto para os explorados.
Estamos longe, muito longe, distantes
anos-luz, portanto, do ideal exposto por Edgar Morin, em seus livros, artigos,
entrevistas e conferências. Ele próprio declara isso: “Ainda não existe
sociedade civil mundial e a consciência de que somos cidadãos da Terra-Pátria é
dispersa, embrionária. Ou seja, temos as infra-estruturas, mas não as
super-estruturas”. Ainda há tempo! Temo, todavia, que já possa ser um tanto
tarde. Certamente voltarei a esse instigante assunto.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
De minha parte, desalento. Não, não há tempo.
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