O retorno
* Por Risomar Fasanaro
Ante o
espanto de todos, a coisa aconteceu.
Embrulhado
em farrapos sobre a cama, o velho agonizante, embora mal pudesse falar,
derramava impropérios e maldições sobre a filha que só lhe trouxera desgostos.
Respirando com muita
dificuldade, quase sussurrando, pedia-lhe que não chorasse sobre seu
cadáver já que era ela a causa de sua morte, com sua vida fácil, sua sem-vergonhice,
sua desonra. Pagaria. Ficasse certa de que pagaria. Deus haveria de lhe fazer
justiça, se Ele existisse... Foram suas últimas palavras.
A moça não
chorava, não dizia nada. Os olhos fitavam o pai. Águas de um lago
congelado. Ninguém saberia dizer quanto tempo ficou assim.
Logo depois
o velho entrou em coma e morreu. As poucas pessoas presentes dentro do quarto,
nem mesmo souberam repetir direito como tudo acontecera. Nem mesmo elas
acreditavam no que tinham visto.
Morto sobre
a cama, o rosto começou a remoçar. Foi remoçando, remoçando, remoçando diante
da surpresa dos que ali permaneciam, grudados no chão; estupefatos.
O tempo
passava rápido e, era como se houvesse enlouquecido. Como
se os relógios acelerassem em sentido inverso e, em segundos, o corpo
pareceu ter setenta, sessenta, cinqüenta anos, e aquilo continuou. Foi ficando
mais e mais jovem, tomando as feições de um adolescente, de uma criança,
diminuindo, diminuindo até que se tornou
um bebê.
A filha,
horrorizada, continuava imóvel. As mãos crispadas sobre o peito em desespero
total, não tirava os olhos do que se passava sobre a cama.
E a coisa
não parou ali. O bebê foi se transformando em feto e diante de
todos, uma película, sabe-se lá saída de onde, o envolveu. Foi quando as
pessoas viram que, de repente o ventre da moça tornou-se enorme, como se em
final de gravidez.
No mesmo
instante, atônitas, procuraram no morto a explicação para o que estava
acontecendo, mas constataram que a cama estava vazia.
Depois, o
ventre da filha foi diminuindo, diminuindo... diminuindo... e, então ela começou a suar frio e a sentir enjôo.
Foi até a
sala, sentou-se em uma poltrona, para ver se melhorava, mas o enjôo aumentou.
Aumentou tanto que ela não conseguiu segurar. Levantou-se apressadamente e se
dirigiu ao banheiro quase correndo. Lá se pôs a vomitar tudo que comera
durante o dia.
* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora,
autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio
Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão,
Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar
no Brasil.
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