Na força dos teus 19
* Por Urariano Mota
Para Luanda e para quem se tornar refém da sua beleza
Um belo dia, desses belos dias em que
não sabemos o que nos espreita, o que nos aguarda, na noite, no futuro ou na
sua vedação, um belo dia, num desses belos dias que são belos somente pelo
pouco mal que fazemos, um belo dia, em manhã semelhante à de hoje eu te disse,
eu te escrevi:
Se
o coral é vermelho, há quem se espante. Se as pétalas em sua alquimia, em seu
laboratório e cornucópia sufocam-nos, há quem se espante. Um raio que caísse
agora e nos matasse, neste exato instante em que escrevo “um raio que caísse
agora...”, muita gente disso se espantaria. Sem palavras, no entanto,
deveríamos ficar ante esse maior espanto: um desabrochar que da flor guarda a semelhança
deste verbo, desabrochar, um ser, que é uma pessoa mais importante que a
preservação das florestas amazônicas, mais séria e organizada que a
sobrevivência de todo pantanal, das garças às borboletas, das rãs que pulam no
rio aos jacarés que passeiam com pássaros a bordo, uma senhorita mais
fundamental que a sobrevivência nossa, dos chineses aos esquimós, dos mongóis
aos europeus, dos negros aos caucasianos, por que disto ninguém se
espanta?
E
insatisfeito, despudorado, sem dar importância ao que outros diriam,
acrescentei:
Se
o tempo parasse agora, nesta exata clara manhã. Se a orquídea fosse a mesma
orquídea hoje e sempre. Se o movimento das pétalas, se as cores das macias
pétalas, se as formas e os perfumes e o frescor das pétalas fossem eternas, se
este encanto para os olhos fosse imorredouro, ah, nem assim a orquídea, a rara
flor do campo atingiria a graça do ser que és, menina que deixas a infância.
Pois
saibas que dois anos depois, dois para mim, infinitos para ti, saibas que
depois dessa imensa infinitude o meu amor mudou. Nada é estático, tudo está em
ebulição, bem sabes. Mas é também da natureza viva, das coisas vivas, que a
transformação tenha um caráter e um sentido, algo como uma predestinação, se
por predestinação podemos entender o futuro do embrião, que sempre está em
mudança. Em poucas palavras, senhorita, o meu amor mudou, mas guarda e preserva
um caráter que eu não sonhava naquele belo dia, quando nada adivinhava da noite
futura. Ele tem e guarda uma característica que agora compreendo: é amor
esquisito e raro, porque amadurece e cresce com os teus anos. De sorte e de
forma que bem podemos dizer, predizer, ver e sentir: quando eu tiver 100 anos,
e tu, Luanda, 63, sabes o que dirão os que nos cercam, os que nos cercarão?
Imagina, porque sei agora os rumores de toda a gente: - “Dizem por aí que são
pai e filha, mas todos sabem que não passam de dois bons e velhos
companheiros”.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho
renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros
Uma declaração de amor paternal envolvida numa capa de efeito comparativo entre tudo que há de belo e importante no mundo. No entanto, Luanda é maior.
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