Instinto
assassino
* Por Aliene
Coutinho
Finalmente, ele conseguira comprar o
apartamento dos sonhos. Uma cobertura, três quartos, num prédio com piscina,
academia de ginástica, sauna e... pombos, muitos pombos. Esse foi terror de
Alexandre. Dormia e acordava com aquele arrulho todo no ouvido: gru, gru, gru.
Um casal de pombinhos também escolhera o prédio como moradia e bem embaixo da
janela do quarto, na caixa do ar condicionado. Fizeram um ninho aconchegante,
onde recebiam convidados de todo Setor Sudoeste, era festa todo dia, barulho e
sujeira. Uma farra que deixava Alexandre louco.
Uma semana insone e foi declarada
guerra aos bichinhos. Ou eles se mudavam, ou Alexandre ia acabar perdendo o
emprego. Dias e dias sem dormir e chegando atrasado, ninguém agüentava mais
olhar para a cara de poucos amigos que ele fazia, sem falar nas olheiras que
aumentavam gradativamente. Um dia, na hora do almoço, ele decidiu se armar
contra a ofensiva constante. Comprou uma mangueira de 10 metros de comprimento.
Chegou em casa, ligou a mangueira na torneira do banheiro e com
metade do corpo fora da janela, mirou no ninho e mandou aquele jato que
mais parecia o tsunami... foi uma loucura, pombo para tudo que é lado. Um
alvoroço só...
Ele comemorou mais que vitória do Botafogo.
Abriu uma garrafa de vinho e quando se preparava para dormir, eis que escuta de
novo aquele barulho ensurdecedor. Subiu as escadas, se pendurou na janela e lá
estavam de volta o encarando, prontos
para defender a qualquer custo o ninho construído. Ele desceu as escadas para
observar de um outro ângulo, seriam os mesmos? Eram, não tinha dúvida. E o
olhavam desafiadoramente...
Já era tarde, ele precisava tentar
dormir. No dia seguinte, pensaria em outra estratégia. E assim foi. Desta vez
ligou para o sobrinho e pediu um estilingue, em vez de pedras, azeitonas, e
tome azeitonas nos pombos que saíram em revoada. Mais uma
vitória. Infelizmente, passageira. Passadas algumas horas, o casal de pombinhos
voltou. Quietinhos, arrumaram toda bagunça feita pelas balas de azeitona,
colocaram galhos sobre galhos, pareciam fazer uma faxina, e como se não
quisessem ser percebidos, naquela noite não fizeram barulho.
No outro dia, tudo voltou ao normal.
Pelo menos para eles. Alexandre sentiu que a gastrite voltara depois de dois
anos sem nenhuma crise, e claro, que a causa era os pombos. Desta vez, ele ia
às últimas conseqüências. Comprou uma espingarda de chumbinho, e no meio da
noite, disparou contra o ninho. Parecia um “serial killer”. Totalmente fora de
controle, ele suava, pensava nas noites mal-dormidas e atirava, sem dó, nem
piedade. Foi uma carnificina.
E finalmente naquela noite, ele dormiu.
Acordou como há muito não fazia, bem-humorado, disposto. Na hora do café da
manhã, a campainha da porta tocou. Levou um susto quando ao abrir a porta deu
de cara com os fiscais do Ibama. Ele foi intimado a prestar depoimento, corre o
risco de pagar multa e, se brincar, cumprir
alguma pena. Crime contra o meio-ambiente é inafiançável. E lá foi ele
no caminho para a delegacia, se perguntando se aquela “praga” se enquadrava na
lei. De uma coisa ele tinha certeza: pombo por ali, nunca mais.
* Jornalista e professora de Telejornalismo
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