Sementes ao Acaso
O homem evoluído, aquele que tem
consciência do seu papel no mundo e se empenha na sua realização (raridade em
todos os tempos), sem esperar qualquer vantagem material, é, sobretudo,
generoso. A evolução da espécie humana deve tudo a essas pessoas abnegadas, que
surgem, em maior ou menor número, a cada geração, determinando saltos
evolutivos desse estranho e precioso animal que pensa (ou pelo menos conta com
essa capacidade), mas que nem sempre dá um sentido positivo ao pensamento.
Tais indivíduos são os responsáveis
pelas descobertas científicas, pelo desenvolvimento das artes, pela Justiça,
pela organização política e social, pelos sistemas econômicos e pela geração e
veiculação de idéias, entre outras coisas. Sua característica marcante é a
generosidade. Semeiam inteligência e princípios incansavelmente, sem sequer
atentar para o "solo" onde as sementes irão cair. Dão oportunidade a
todos os que queiram usufruir de sua ação, sem nenhuma espécie de preconceito
ou discriminação.
A propósito desses abnegados semeadores
de ideais, que raramente (ou nunca) colhem aquilo que semearam, e se o fazem,
jamais é em proveito próprio, o padre Antônio Vieira (um desses seres raros e
preciosos que iluminaram os caminhos da humanidade) fez uma profunda reflexão,
em um dos seus inesquecíveis sermões, que atravessaram três séculos, por sua
forma e conteúdo serem primorosos. Constata o erudito sacerdote: "Nas
outras artes, tudo é arte; na música tudo se faz por compasso, na arquitetura
tudo se faz por regra, na aritmética tudo se faz por conta, na geografia tudo
se faz por medida. O semear não é assim. É uma arte sem arte: caia onde
cair".
Por isso, os homens criativos, que têm
algo a acrescentar às suas comunidades, desde seu restrito e particular núcleo
familiar à própria e gigantesca família humana, precisam contar não com uma,
duas, cinco, dez ou cem "sementes". Devem ter milhares delas, para
espalhar por todas as partes.
Jesus Cristo, em uma de suas mais
profundas parábolas, tratou desse tema. Destacou as dificuldades das mensagens
espalhadas frutificarem, em virtude do "solo" (no caso a mente das
pessoas que são alvos do que se pretende semear) muitas vezes não ser propício.
Os tíbios, os egoístas e os acomodados,
mesmo que semeiem ideais, quase sempre fracassam. E o insucesso deve-se à
insuficiência de sementes. Basta que estas caiam em lugar errado para que seu
empenho acabe sendo vão. Desistem. Ou querem colher frutos pessoais mesmo onde
estes não existam e sejam impossíveis de existir. Dão-se por satisfeitos em
semear ao léu, mesmo na ausência de resultados, como se desempenhassem uma
obrigação e não se tratasse de uma dádiva espontânea ao mundo.
O semeador, da parábola de Cristo,
lançou primeiro sua semente por entre as pedras. Mesmo tendo germinado, a
planta embrionária não tinha como fixar raízes, dada a rigidez do solo. Não
havia humus. Inexistia a umidade. Faltavam, portanto, o alimento e a água.
Dessa forma, ou os pássaros devoraram o que foi semeado, ou o sol crestou a semente,
a inutilizando.
A
segunda foi lançada sobre a areia, em meio a urzes. Germinou, fixou raízes, mas
estas não tinham firmeza. Um simples vento arrancou a planta em formação,
matando-a ou as ervas daninhas sufocaram-na. A terceira semente, no entanto,
caiu em terra fértil. Germinou, radicou-se, desenvolveu-se, cresceu e
frutificou.
Assim são as mensagens espalhadas pelos
idealistas. Têm que ser múltiplas e semeadas incansavelmente. Mesmo assim há
riscos de nenhuma delas vingar. Compete ao semeador tentar, tentar e tentar
indefinidamente, enquanto viver. Persistir na persistência. Nunca se fazer de
difícil ou se deixar cegar pela vaidade. Não se prender a idéias preconcebidas
ou a dogmas cristalizados. Precisa exercitar, sem cessar, a liberdade de pensar
e de expressar seus pensamentos. Tem que proceder a constante autocrítica e
saber mudar de rumo ao constatar equívocos.
O físico Albert Einstein afirmou, em
seu livro "Como Vejo o Mundo": "É a pessoa humana, livre,
criadora e sensível que modela o belo e exalta o sublime, ao passo que as
massas continuam arrastadas por uma dança infernal de imbecilidade e
embrutecimento". Sua condição é tão abjeta por ausência de líderes
esclarecidos, de semeadores persistentes, de mestres perseverantes. A espécie
carece de um número maior de pessoas "boas", altruístas, perspicazes
e sobretudo abnegadas.
Platão, em seus "Diálogos",
enfatizou: "O bem não é essência, mas excede em muito a essência em
dignidade e poder". Não são os aparentemente poderosos que a humanidade
reverencia através dos séculos. Guerreiros como Alexandre, Júlio César, Átila
ou Napoleão são lembrados, é verdade, mas apenas pelo terror e morte que
espalharam. A reverência, no entanto, é destinada a humildes semeadores. Como
Sidarta Gauthama... Como Jesus Cristo... Como Maomé... Como São Francisco de
Assis, Mahatma Gandhi e Madre Teresa de Calcutá, entre outros...
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
É bom semear e colher, mas melhor ainda é receber a semente e ver que ela frutificou em nós.
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