Panorama
* Por
André Felipe Feijó
Eu andava como um surtado pelas ruas da cidade quando senti vontade de
voar. Voei na verdade com meus pensamentos, subi tão alto que pude ver o Cristo
Redentor, o Pão-de-açucar e a Baía de Guanabara.
Nada do que eu via conseguia desviar o meu olhar daquelas ruas
sangrentas, das vias engarrafadas e dos carros com luzes de fogo, sim, luzes de
fogo que queimavam meus olhos pela intensidade e brilho infernal. Sempre
acreditei na verdade e na justiça, mas a realidade nua e crua me fizera ver que
a morte e dor se manifestam diariamente.
As bundas frenéticas que zombavam dos turistas eram de putas
desqualificadas, sem pudor algum e com bafo de bebidas alcoólicas diversas,
misturadas pela irracionalidade e ignorância típicas de meninas que vivem na
noite em busca de trocados profanos.
Minha formação é católica, minha perdição é carioca, minha mãe
solteira, minha namorada, cética. Impressiono facilmente pela minha presença
grande e gentil, nada que eu faça revela a gigantesca infelicidade e tristeza
que habitam meu coração, parece que perdi metade da alma quando ela partiu.
Condenado a viver errante e sem destino, a insustentável leveza do meu ser me
fez flutuar e planar com as águias, ou melhor, os urubus, pois não temos águias
por aqui.
Um tiro no morro do Pavão, outro no Cantagalo, enquanto que na Lagoa
subia um balão escrito "PAZ" e o clube do Flamengo comemorava
aniversário. Os remadores forçavam os músculos para apressar o barco que
deslizava com elegância inglesa, o vendedor de coco cortava com o facão, todos
no ritmo e na cadência do samba que se preparava para mais um carnaval. Folia
dos tolos, folia dos loucos, folia dos mortos.
Resolvi descer do meu sonho e colocar os pés no chão, tenho um revista
para fazer e preciso pensar na segunda edição, talvez o Papai Noel na capa, ou
quem sabe a foice.
O relógio despertou com música evangélica, meus filhos foram para a
escola e eu para o computador, o pão nosso de cada dia nos dá hoje, e perdoa
nossas ofensas assim como nós perdoamos aqueles que nos têm ofendido, e olha
que são muitos.
Amém!
*
Fotógrafo e historiador.
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