O lado cômico da vida
O universo é trágico ou cômico? É
benigno ou maligno ao homem? A resposta mais convincente que encontrei para
esta questão foi a dada por Carl Sagan, que o considera “indiferente” ao ser
humano. Não foi nem criado para o usufruto dele e muito menos à sua revelia. Se
atentarmos bem, existe no universo um lado que pode ser considerado cômico.
Para isso, todavia, temos que ter irrestrita confiança em nossas crenças, o que
nem sempre (ou quase nunca) é possível. Por mais que afirmemos crer, de maneira
absoluta, em alguma coisa, isso não é rigorosamente a expressão da verdade.
Sempre nos resta uma pontinha de dúvida, por mínima que seja, o que é normal e
até saudável. Apesar de acharmos que já conhecemos muito, nosso conhecimento é
irrisório diante do tanto de desconhecido que há. Teríamos que viver a
eternidade para termos um conhecimento minimamente razoável e, mesmo assim,
ainda teríamos muitíssimo a aprender.
A escritora norte-americana Flannery
O’Connor – que foi considerada, enquanto viveu (morreu em 1964) uma das mais
importantes vozes da literatura do seu país e que chegou a ser comparada ao
russo Anton Chekov – escreveu, em seu livro “Mistery and manners” (um clássico
contemporâneo nos Estados Unidos): “Somente tendo confiança em nossas crenças é
que podemos perceber o lado cômico do universo”. Já não diria tanto.
Restringiria meu âmbito a esse pequeno planeta azul do Sistema Solar. Ou, para
ser mais restrito ainda, enfocaria o comportamento humano, quer individualmente,
quer, principalmente, em
sociedade. Há muito mais de cômico do que de trágico nele.
Descamba para o ridículo, por exemplo, a pose de determinadas pessoas,
incapazes de serem autênticas nem com elas mesmas quanto mais face quem quer
que seja e que representam, permanentemente, um papel (e secundário) na comédia
da vida, achando que ninguém percebe.
Destaque-se que o riso é santo remédio
para nossos tormentos e males, principalmente os da alma, mas também os do
corpo. A medicina, inclusive, já comprovou sua eficácia e incorporou-o ao seu
arsenal de combate à dor. Trata-se de uma espécie de válvula de escape de
tensões e frustrações. Todavia, estranhamente, utilizamos pouco esse recurso
com que a natureza nos dotou. Preferimos nos manter tensos e contraídos, com o
cenho carregado, em vez de abrirmos um
amplo sorriso desanuviador. Se rir já é muito bom, gargalhar, espontaneamente,
com naturalidade, é muito melhor. E, convenhamos, não nos faltam situações, no dia
a dia, propícias a uma boa gargalhada. Encaramos tudo e todos com seriedade em
demasia, esquecidos que a maior parte dos desejos e aborrecimentos que nos
afetam e afligem não passa de grande ilusão. Victor Hugo chegou a comparar a
gargalhada ao sol, “que varre o inverno do rosto humano”. É como um sopro sutil
de uma brisa de primavera. E, o melhor: está sempre ao nosso alcance, para nos
valermos dela quando quisermos.
Os “intelectuais” hoje em dia (salvo,
claro, honrosas exceções), despendem seu tempo em longas e intermináveis
viagens ao redor do próprio umbigo, inconscientes do seu papel social,
julgando-se não apenas o centro do mundo, mas do próprio universo. Carecem de
espontaneidade, que lhes daria um toque mais humano e tornaria mais verossímeis
suas quase sempre áridas e pretensiosas arengas. Deixaram morrer as utopias (o
que é imperdoável) sem que colocassem nada de melhor em seu lugar. São
arrogantes, ranzinzas, prepotentes e sumamente egoístas e, sobretudo,
narcisistas, de um narcisismo doentio e ridículo. Apostam não somente no pessimismo
(que chamam de “realismo” e têm o desplante de classificar quem não pensa como
eles de “alienados), mas, sobretudo, no derrotismo. São os arautos da
catástrofe. Tanto que hoje em dia as utopias (que na verdade, embora
fantasiosas, eram metas postas diante da humanidade, ousadas é verdade, mas
que, se atingidas, mesmo que parcialmente, fariam do mundo um lugar decente
para se viver) pelas distopias. Ou seja, pelo caos, pela paranóia, pela
catástrofe, pelo fracasso, por um inferno criado pelo homem, que é muito pior
do que aquele imaginado pelas religiões.
Falta-lhes, além da humildade, o
bem-vindo senso de humor. São bem-informados, sem dúvida, até letrados, mas
estão anos-luz de distância de serem sábios. Esses “intelectuais” se esquecem
que chegaram à sua privilegiada condição não apenas por esforço próprio. São
fruto do sacrifício de milhares, de milhões de pessoas humildes, que
contribuíram com seus esforços para que chegassem a esse patamar. É justo
exigir-lhes, portanto, a contrapartida, que não dão. E se não a derem (como não
estão dando), estarão cometendo o crime dos crimes: o da omissão. Não sabem
atentar sequer para o lado cômico da própria conduta, quanto mais o da vida, do
mundo e, por extensão, do universo. Por isso, meu objetivo é ser “bem-informado”,
se possível, bastante letrado e, se as circunstâncias permitirem (quem sabe)
sábio. Mas nunca esse tipo de “intelectual” que desdenha da capacidade humana
de sorrir com alegria e descontração e, muito menos, de gargalhar.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Nenhum comentário:
Postar um comentário