O jogador 12 do Sport
* Por
Urariano Mota
Os jornais de
Pernambuco um pouquinho exageravam nas manchetes para a batalha de uma noite em
2009: “O jogo da vida! Agora vale a classificação! Uma vitória para a
história!”. Mas nas palavras dos jornalistas de qualquer cidade do Brasil nada
houve que se comparasse a estas de um imparcial repórter do Recife: “Um feito
para todos os séculos. Ao consegui-lo, todo e qualquer rubro-negro do Sport
poderá bater no peito e dizer que seu time está entre os 16 melhores da
América. O presidente Sílvio Guimarães, o capitão Durval, dona Maria José e os
milhares de anônimos da geral, mais arquibancadas, cadeiras...”.
É sobre esse anônimo
com sua aura, calor ou magia, sem o qual nenhum time existe, que desejo
falar. Ele, o torcedor, se revelou para
mim no primeiro jogo do Sport contra o Colo-Colo, no Chile. Eu não fui a
Santiago, mas pude ver a partida em um bar, em pé, ao longo de um balcão em
Olinda. Para terem ideia da importância, eu perdi, saí de um show dos Demônios
da Garoa, de graça, no exato instante em que os endiabrados cantavam Iracema.
Mas não perdi este retrato: no bar, todos torciam. Todos. Garçons, televisor,
clientes, garrafas, copos, colheres, rua, garfos e urras. Antes do apito, um
cidadão junto a mim, a quem jamais eu havia visto, começa a sua confissão sem
me olhar, com os olhos fitos na tela.
- Meu Deus, eu devia
beber um coquetel de Lexotan. (Os times vêm para o centro do campo, e por isso
recebo uma cotovelada.) Pra mim, o Sport é mais importante que o amor.
O barulho no Caldinho
da Codorna é muito grande, e por isso julgo ter ouvido mal: - Melhor que o amor?! Por quê?
-Porque transcende.
Mais uma vez julgo
estar muito mal das ouças. Tem muita buzina lá fora, são 18 de fevereiro,
estamos na semana antes do carnaval em Olinda, a tensão é imensa, e não sei por
que até a cerveja e a cachaça não fazem efeito, evaporam-se. Por isso, mais uma
vez pergunto, achando estranha a palavra transcendência naquele contexto:
- Trans-cen-de, é
isso? Por que transcende?
E o torcedor com as
mãos, como reforço da definição do transcende: - Porque vai além, é muito além
do amor. É o Sport.
Volto para a telinha.
As cores vermelha e preta cintilam, brilham, ofuscam. Há uma figura de leão em
pé a segurar um escudo nas camisas, um rumor surdo a correr todos os lugares,
uma respiração suspensa e coletiva. Por Deus, então entendo bem o que é
transcender. Compreendo o que o jogador número 12 quis dizer. Pelo menos
durante estes únicos e inesquecíveis 90 minutos de êxtase e agonia, o Sport
transcende. Então Ciro faz um gol. Sport, 1 a 0. Então Ciro dá um passe para
Wilson. Sport, 2 a 0. Então eu, este
torcedor equilibrado, que só deixou de ver Os Demônios da Garoa, que só deixou
de ouvir Iracema, a música da infância, perco a razão e grito em coro: “Cazá,
Cazá, Cazá, a turma é mesmo boa... Sport, Sport, Isporte!”. O garçom pula, a
tevê grita, os carros buzinam, a noite de Olinda vira dia. O jogo termina,
Sport 2 a 1. Todas as contas se pagam na maior felicidade.
No outro dia é que
notei uma falta. Entre todos os clientes, copos, cadeiras e garrafas, havia um
torcedor que não era rubro-negro. Eu fiquei sem a minha carteira. Mas aqui pra
nós, pela vitória do Sport, francamente, achei barato.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho
renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros
Quando o resultado é a vitória, aceitamos as maiores privações. Uma coisa compensa a outra.
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