João Goulart e a imprensa
* Por
Vitor Orlando Gagliardo
Estamos no ano de
1961. João Goulart assume a presidência após a renúncia de Jânio Quadros. Jango
não é bem aceito pelos militares e por núcleos da imprensa. O ápice das
críticas foi quando concedeu a Che Guevara a medalha da Ordem Nacional do
Cruzeiro do Sul. Três veículos de comunicação, O Globo, o Jornal do Brasil e O
Jornal, uniram-se contra o governo de Jango, acusando suas propostas políticas
de comunistas. Além disso, publicavam denúncias contra o governo, além de
manipularem a opinião pública.
De acordo com o
professor Aloysio Castelo de Carvalho, doutor em História Social e autor do
livro A Rede de Democracia: O Globo, o Jornal e o Jornal do Brasil na queda do
governo Goulart (1961-64), ‘a Rede da Democracia era um programa radiofônico
que criticava as concepções nacionalistas e reformistas, bem como as decisões
do governo Goulart. A Rede da Democracia reagiu às forças que incentivavam a
maior participação popular na vida política e, sobretudo, amadureceu mudanças
que deveriam ser efetivadas na natureza do regime democrático’.
‘O governo não era
comunista’
O que foi a Rede da
Democracia?
Aloysio Castelo de
Carvalho – A Rede da Democracia foi idealizada por João Calmon, deputado do
Partido Social Democrático (PSD) e vice-presidente dos Diários Associados.
Criada no Rio de Janeiro em outubro de 1963, era um programa radiofônico
comandado pelas rádios Tupi, Globo e Jornal do Brasil. Ia ao ar quase todos os
dias e repercutia pelo país através de outras centenas de emissoras afiliadas.
Os pronunciamentos difundidos pelas emissoras eram posteriormente publicados
nos respectivos jornais: O Globo, Jornal do Brasil e, sobretudo, O Jornal. Era
um vasto sistema de comunicação organizado por todo o país e comprometido com a
propaganda política anticomunista. A Rede sinalizou, no campo discursivo, a
existência de uma coalizão conservadora, disposta a lutar pela preservação da
ordem social dominante e conter as investidas do Executivo contra os princípios
que regem a propriedade privada.
De fato, podemos
definir o governo de Jango como comunista?
A.C.C. – Não. O
governo não era comunista, era trabalhista embora tivesse apoio de diversos
setores da esquerda. Defendia as reformas de base, especialmente a reforma
agrária.
‘A imprensa deve ser
livre e ter autonomia’
Pode-se afirmar que
estes veículos estavam em conluio com os militares?
A.C.C. – No plano
discursivo, é possível essa afirmação. As matérias publicadas pelos jornais
sobre a Rede da Democracia são uma evidência de que os jornais pediam a
intervenção das Forças Armadas no governo.
O livro narra o
período entre 1961 a 64. Seguindo um pouco adiante, percebe-se nos textos de
Assis Chateaubriand a mudança, rapidamente, no conceito do jornalista com os
militares. Em pouco tempo, Chatô do elogio a Castelo Branco vai às ofensas. Já
em 68, ocorre a censura total aos veículos. O que ocorreu para estremecer essa
relação destes veículos com os militares?
A.C.C. – Assim como
Chateaubriand, outros setores da sociedade se tornaram oposição à continuidade
do regime militar. Acreditavam que a tomada do poder pelos militares não
deveria se estender no tempo.
Muito se fala, do
ponto de vista ideológico, que o jornal O Globo era o porta-voz do regime
militar. Trata-se de uma lenda ou de uma constatação?
A.C.C. – Não diria que
O Globo era porta-voz do regime. Mas foi um dos jornais que mais legitimou a
continuidade dos militares no poder, mesmo quando teve início a liberalização
em 1974.
O senhor acha saudável
para a democracia que imprensa e governo caminhem lado a lado?
A.C.C. – Não. É
fundamental para a democracia que a imprensa deva ser livre e ter autonomia em
relação ao governo para criticá-lo sem medo de ameaças. Mas pode também apoiar
projetos do governo que promovam melhorias na sociedade.
Comentário
Segue um comentário
sobre a matéria do dia da criação da Rede da Democracia, que focou os
pronunciamentos de João Calmon, Roberto Marinho e Nascimento Brito.
A criação da Rede da
Democracia significou uma aproximação entre as linhas editoriais de O Jornal, O
Globo e Jornal do Brasil, voltados para a articulação de uma comunicação
oposicionista que conferia funções políticas à imprensa, num ambiente em que os
militares estavam sendo chamados a intervir no Estado. Os discursos
apresentados pelos seus proprietários e representantes, no dia da inauguração,
em 25 de outubro 1963, deixam claro que o eixo central se deu em torno do
combate ao comunismo, considerada uma ideologia totalitária que visava à
desestruturação do regime representativo, com o fim dos mecanismos jurídicos
que garantiam os direitos individuais, em especial os relacionados à liberdade
e à propriedade. O termo ‘comunismo’ apareceu associado à revolução, em
contraposição à ideia reformista aceita pelos jornais, que percebiam no governo
omissão no combate a essa ideologia, colocando-se, desse modo, em confronto com
a legalidade constitucional e com os tradicionais valores de liberdade da
sociedade brasileira. De fato, Nascimento Brito prognosticou que forças
políticas tentariam obter ‘o consentimento popular para fazerem do Brasil a
experiência infeliz que o nazismo, o fascismo e o comunismo impuseram a outros
povos’. Nessa linha discursiva, também se expressou Roberto Marinho, para quem
os brasileiros estavam sendo ‘vítimas de uma deformação, intencional por parte
de uma minoria de demagogos e de comunistas empenhados em envenenar as nossas
relações com os países do mundo ocidental’. E João Calmon, representando Assis
Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados, viu no rádio o instrumento
político contra o comunismo para ganhar ‘a batalha da propaganda, que é o
episódio mais importante da Guerra Fria’.
*
Jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário