Filhos de égua
* Por
Ana Deliberador
Quando mudamos do
Estado de São Paulo para o Paraná, em 1929, eu tinha minha primeira filha Maria
Annita com um ano. O José não quis que eu viesse com ela antes, sem estar mais
forte, pois isto era mato, não havia
recurso perto, Sertanópolis, que hoje é perto porque temos estradas asfaltadas,
naquele tempo era longe pois a estrada era pura terra e quando chovia era puro
barro, que só andando a cavalo.
Então, como começo de
vila precisava de uma capelinha, foi feita bem pequena. Era onde eu rezava o
terço. Resolvi juntar uns seis meninos filhos de pais que moravam na futura
cidade e então resolvi ensinar um pouco de religião. Quem era Deus, quem havia criado o mundo…
Depois comecei a
ensinar a eles uma das orações que até hoje eu acho que nos alivia de muita
preocupação, que era Salve Rainha.
Quando achei que podia
perguntar a eles se tinham guardado um pouco dela, pedi ao Braulino, que era
filho do casal de índios Cisino e
Braulina, e o menino olhou muito sério para mim, começou muito bem, até a parte
que diz “filhos de Eva”.
–“Filhos de Égua” –
ele disse.
Levei um choque e
fiquei tão desnorteada que acabei aquele dia o meu catecismo mais cedo e fui
pra casa contar ao José o que tinha acontecido e que para ensinar eu não dava
mesmo, pois achei que o menino não tinha entendido nada sobre religião.
Mas desculpei porque
ele era criança e criança é de Deus.
* Professora, pintora e escritora
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