Delírio ou
frustração
O ato de escrever, notadamente para os profissionais do
texto (escritores, jornalistas etc.), pode se constituir numa fonte inesgotável
de satisfações, de delírio até, ou em gerador de grandes sofrimentos, por causa
da frustração de não poder produzir o que se tinha em mente, por uma série de
fatores, que não vem ao caso. É até desnecessário enfatizar a responsabilidade
que o redator tem, tão óbvia ela é.
A palavra escrita tem possibilidades reais de influenciar
pessoas tanto para o bem – ensinando, orientando e consolando – quanto para o
mal – trazendo desencanto, pessimismo e ceticismo – e por várias gerações, muito além do seu
tempo de produção. Depende, claro, do que trata e de como o texto é escrito.
Conta com a possibilidade da permanência, ao contrário daquilo que se diz, que,
como afirma o povão, “entra por um ouvido, sai por outro” e se perde no ar (mas
nem sempre, claro).
Passado todo um milênio, por exemplo, aquilo que se escreveu
(dependendo da sua natureza), pode ainda produzir efeitos, benéficos ou
maléficos, numa quantidade às vezes muito grande de pessoas. Além do mais, o
escritor – assim como o jornalista – depende de quem o lê para ser bem-sucedido
(ou fracassado). E nem sempre o leitor tem critério (ou cultura, ou visão)
suficiente para fazer justiça ao redator.
Como editor, com décadas de atividade, caíram-me nas mãos,
até com uma certa freqüência, diversos textos muito bons, não raro acima da
média, alguns até geniais, que por uma razão ou outra, nunca conseguiram
“decolar”. Por isso, foram ignorados e esquecidos pelos leitores, para profunda
frustração dos seus autores.
Há livros excelentes, tanto do ponto de vista temático,
quanto do formal, muito bem escritos, mas que findam por criar poeira nas
prateleiras das livrarias – para desespero dos que os editam e, principalmente,
dos que os comercializam – por falta de quem se interesse por eles. Ocorre que,
na maioria das vezes, lhes faltam alguns ingredientes essenciais para agradar:
os da emoção, da cumplicidade e da empatia, entre outros. São textos que soam
falsos, artificiosos e inverossímeis. São bem elaborados, é verdade, têm estilo
marcante, mas carecem de entusiasmo.
Às vezes são até belas “esculturas” com palavras, mas não
como a estátua de Moisés, de Michelangelo, por exemplo. Seus autores não
ousariam exclamar, diante da obra acabada, como o escultor diante da sua
escultura: “Parla, Moses!”. O escritor, quando transcreve suas idéias em
textos, precisa pôr junto, no papel (ou, como ocorre hoje, na telinha do
computador), o máximo de si.
Não se admite a auto-indulgência e nem que ele tente
apresentar, no que escreve, apenas aspectos positivos, favoráveis e/ou
elogiosos da sua personalidade. Isso soa falso e espanta leitores. Tem, isto
sim, que se despir (espiritualmente, claro) em público. Precisa “ficar nu”
perante o mundo, sem qualquer escrúpulo ou pudor.
O romancista argentino José Bianco, pouco conhecido no
Brasil, mas popular em seu país, afirmou, certa ocasião, em entrevista: “Eu
acredito que o entusiasmo intelectual, quando é legítimo, mais propriamente nos
leva a lutar com o que amamos, para que sobreviva dentro de nós. Quer dizer,
dentro da nossa própria obra. Se o material é nobre, responde a nossas
provocações. Ao menor choque, ressoa por muito tempo”.
Nosso entusiasmo, no entanto, não deve nos tornar alienados.
Devemos ter consciência das nossas vulnerabilidades e procurar corrigi-las, com
empenho, dedicação e autodisciplina. Mesmo que sejamos bem-sucedidos, jamais
pode passar por nossa cabeça a idéia de que somos perfeitos, auto-suficientes,
em suma, os melhores do mundo. Nunca somos e jamais seremos. E muito menos
podemos nos colocar na posição de “centros do universo”, a contemplar e adorar
o próprio umbigo. Se incorrermos nesse erro, de nada valerá nosso talento. Jamais
conheceremos o delírio do verdadeiro sucesso, mas teremos, isto sim, que
conviver com a agonia da frustração. Equilíbrio e realismo são as
palavras-chaves para a obtenção (e, principalmente, manutenção) do êxito com o
qual tanto sonhamos e nos empenhamos em obter.
Boa leitura!
O Editor.
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O êxito momentâneo, sem continuidade é bem frustrante. Funciona como o voo da galinha. Não decola.
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