Constante
reconstrução
Você já notou como nossa vida é uma constante reconstrução?
É um tal de fazer, refazer, construir, demolir, voltar a construir no local em
que a construção anterior foi demolida, e assim vamos, nessa toada, até o
momento de nos despedirmos do mundo e encerrarmos essa aventura que nos é
proporcionada pelo fato de termos nascido. E não me refiro apenas a obras
palpáveis, a casas e edifícios, por exemplo, mas também a carreiras, a
relacionamentos, a amizades, inimizades, ódios e amores. Nada tem o caráter da
permanência, da perpetuidade e da eternidade.
Galáxias, estrelas e planetas nascem a todo o momento,
enquanto outros tantos explodem, ou se alteram, ou simplesmente desaparecem em
algum lugar da imensidão sem-fim do espaço vazio. Essa permanente reconstrução,
digamos, física, concreta, pode ser observada melhor, por exemplo, nas zonas
urbanas.
Num determinado instante, em decorrência da crescente
expansão das povoações (hoje, mais da metade da humanidade reside em pequenas,
médias e, sobretudo, grandes cidades), uma área qualquer é loteada e dividida
em vários terrenos. São feitas campanhas publicitárias, os lotes são vendidos
um a um, e não tarda para que alguém edifique uma moradia no espaço que
adquiriu, há pouco tempo absolutamente baldio, que é logo cercado pelo
proprietário.
Digamos que nesse lugar seja erguida uma luxuosa mansão,
embora a área seja ainda um tanto erma. Os anos passam. As coisas mudam. O
poder público promove a urbanização da gleba, proporcionando serviços
essenciais ao homem moderno, sem os quais não sobrevive com dignidade, como
água, luz, esgoto, asfalto etc. E o novo bairro, que se formou lentamente, se
expande com rapidez. Centenas de outras moradias são construídas, várias das
quais mais suntuosas, modernas e confortáveis do que a residência original do
nosso personagem pioneiro. Claro que nos referimos ao processo, digamos,
“normal” de urbanização. Nas favelas, ele é mais ou menos parecido, porém
desordenado e caótico. Ninguém compra terreno de ninguém. Invade a área e
pronto. Ela passa a ser sua.
Voltemos ao nosso povoador pioneiro. O passar dos anos traz
natural desgaste à mansão que construiu, apesar de constante e cuidadosa
manutenção (e até de várias reformas) que faz. Novos (e melhores) materiais de
construção são desenvolvidos. A arquitetura evolui. Os acabamentos se tornam
mais sofisticados e duráveis. E a mansão, que na época em que foi construída
era moderna e, não raro, revolucionária, não tarda a se tornar feia, cinzenta,
envelhecida e decadente, destoando das demais moradias ao redor.
Um dia, o proprietário original morre. A propriedade, após
muita disputa, é assumida pelos herdeiros. Estes, claro, têm conceitos
estéticos muito diferentes do nosso pioneiro. Ademais, acham mais fácil dividir
dinheiro do que uma edificação velha e decadente. Põem, portanto, o imóvel à
venda. Não raro, alguma imobiliária o adquire, mas de olho, apenas, no terreno.
A mansão original acaba demolida, para dar lugar a um
prédio, que ao cabo de certo tempo, também passará por idêntico processo de
decadência da mansão original e será, por seu turno, posto abaixo, para ceder
lugar a um edifício mais moderno e racional ainda e assim por diante, num ciclo
virtualmente sem fim. Foi, por exemplo, mais ou menos o que aconteceu com a
Avenida Paulista, em São Paulo. Onde estão os suntuosos casarões dos barões do
café dos anos 20? Ou os de seus “sucessores” dos anos 30, 40, 50 ou 60? Há
tempos não existem mais!
Com nossas carreiras, com nossos sonhos, com nossos
relacionamentos etc. ocorrem processos semelhantes, guardadas as devidas
proporções. São construídos, reformados, demolidos e reconstruídos
continuamente. Peço licença ao paciente leitor para citar palavras de um escritor,
que concorda com minhas colocações (ou, para ser exato, eu é que concordo com
as dele), e que expressa tudo isso que eu quis dizer com muito mais perícia do
que eu.
Trata-se do baiano Ariovaldo Matos, que constatou, num de
seus contos, publicado na antologia “Histórias da Bahia”: “Um homem constrói
toda a sua vida acreditando numa certeza, a ela se sacrificando, matando
sentimentos profundos, sufocando desejos, justificando erros. E, de repente,
todo o mundo que construía, no plano ideal, explode. A certeza era uma farsa.
Talvez um cínico, diante de tal problema, dissesse: bem, amanhã é outro dia...
Talvez um calculista frio, mestre na análise de sentimentos e imune a paixões,
pesasse, um a um, todos os aspectos do problema, considerasse suas causas e
suas conseqüências, permitindo-se uma autocrítica percucentíssima, no fim do
que se consideraria disposto a outra, repetindo Camões: muda-se o ser, mudam-se
as substâncias...”
Mas o que fazer, de verdade, quando nosso castelo de sonhos
desmorona de maneira tão fragorosa e definitiva? Lamentar? Para quê? Lamentos
não levam a lugar algum. Culpar os outros? Qual o sentido prático de agir
assim? Largar mão de tudo e se entregar a um covarde desalento? Nada disso!
Para as pessoas práticas e, sobretudo, corajosas, só resta um caminho a seguir.
Reconstruir (se ainda houver tempo, claro) o que ruiu, seja lá o que for: casa,
carreira, relacionamento, amizade ou amor...Não há outra saída.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
O tempo longo desmorona tudo, ou quase. Só nos resta reformar ou demolir, e se tiver forças, reconstruir.
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