Urinoterapia
* Por
Marcelo Sguassábia
Pode ir tirando essa
cara de nojo de cima do meu texto: não tenho culpa desse negócio existir e ser
o assunto de hoje. Queixe-se com os egípcios, os chineses e os indianos, que
mantêm o hábito vivo há milênios e não veem a hora da bexiga encher, abrir a torneirinha,
servir uma boa dose com bastante espuma e mandar pra dentro - não sem antes
derramar um pouquinho pro santo.
A ingestão do próprio
xixi com fins medicinais, para curar doenças e fortalecer o organismo, é mais
comum do que se pensa. E não é só lá no Oriente, não. Pode ser aí mesmo, nos
domínios insuspeitos do seu vizinho.
A primeira urina,
aquela da manhã, bem amarelada, é tida como a melhor. Suculenta e caudalosa, é
riquíssima em melatonina e em uma série de outros hormônios importantes. Curtida
na cama, no tonel da barriga, apresenta substâncias benéficas em alta
concentração.
Alergias, doenças
autoimunes, infecções, queimaduras e até câncer: nada escapa ao imenso leque
curador desse dejeto nosso de cada dia. A popstar Madonna assegura que urinar
nos pés é uma bênção contra frieiras, micoses, pé-de-atleta e moléstias
congêneres, jurando que não há fungo que resista a um jato bem dirigido.
Entusiastas garantem
que ela atua como hidratante, na falta de água potável. Nesse caso, o ciclo
acaba tornando-se autossustentável, ou seja, urina-se, bebe-se a dita cuja para
depois uriná-la de novo, e assim por diante. Curioso e econômico!
Muitos preferem
deliciar-se com a iguaria em pequenos golinhos ao longo do dia, deixando um
cálice ou copo sempre à mão, na mesa de trabalho, para ir sorvendo aos poucos.
Já outros dizem que, geladinha, não há coisa melhor. Especialmente se
acompanhada de um pratinho de tremoço ou de castanha de caju, enquanto se
tricota ou se acompanha UFC pela televisão.
A suposta ação
antisséptica e bactericida da urina traz, em alguns casos, situações
constrangedoras. Como a de uma entusiasta dona de casa que, não contente com
frascos de urina em seu armarinho de remédios, levou o mijo também para a
cozinha em substituição ao álcool, à água sanitária e ao Veja Multiuso. A coisa
terminou em divórcio após um ataque de nervos do marido, ao notar
insuportavelmente enfedecidos os pratos, talheres e copos da casa.
Apresenta a urina
notável eficácia cosmética, rejuvenescendo a pele e dando brilho e sedosidade
aos cabelos. Uma tal Soninha de Xerém desenvolveu estranha neurose a partir de
seu hábito de pincelar urina ao longo da comprida cabeleira. Chegavam a
dezesseis demãos por dia. Após cada uma delas, Soninha aguardava vinte minutos
(para as substâncias agirem, segundo ela) e em seguida aplicava secador. Depois
de um pequeno descanso a operação se repetia. Testemunhas dão conta que seu
cabelo chegava a ofuscar os olhos de tanto brilho, porém ganhavam uma
desagradável textura de laquê, craquelando-se facilmente ao toque.
Não são poucos os
relatos de dependência e até mesmo ameaças com armas de fogo de urinoviciados a
parentes e vizinhos, exigindo micção imediata dos mesmos para poderem dar vazão
à chamada urofissura - patologia onde a demanda por quantidades cavalares de
urina obriga o indivíduo a consumir baldes e mais baldes de excreção alheia.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Quem tem o hábito prefere omiti-lo.
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