O grande “repórter” das Olimpíadas da
Antiguidade
A “imortalidade” de campeões olímpicos, mas das Olimpíadas
originais, as da Grécia Antiga, devem muito (ou devem “tudo”) o fato de não
terem sido completamente esquecidos e mais, serem lembrados praticamente depois de 2500
anos de história, a um tal de Pausânias. É preciso, todavia, distinguir a qual
deles me refiro. Desconfio que esse nome era extremamente comum entre os
helenos, tanto na época em que ele viveu, quanto séculos antes do seu
nascimento. Parece-me, o que concluo das pesquisas que realizei, que era
equivalente, na Grécia Antiga, em termos de quantidade, ao que é hoje o nome
José, que tem versões correspondentes em várias das principais línguas faladas
no nosso tempo ao redor do mundo. Houve pelo menos quatro Pausânias “famosos”,
entre os provavelmente milhares que seriam chamados assim.
Um deles foi um general espartano, que se tornou regente do
reino rival de Atenas após a morte de Leônidas I, na famosa batalha das
Termópilas (480 a.C.) – aquela em que, com apenas 400 combatentes, ele venceu volumoso
pelotão do exército persa de Xerxes I, com mais de 7 mil soldados – decidindo,
praticamente, a favor dos gregos, a Primeira Guerra Médica, vitória esta
consumada em Maratona. Não é a este, todavia, que me refiro. Outro Pausânias
célebre foi um rei de Esparta, cujo reinado foi de 409 a 395 a.C. Este, também,
não tem nada a ver com o personagem a que vou me referir na sequência. Um
terceiro xará histórico foi o servo de Felipe II da Macedônia, que fazia o
papel simultâneo de amante desse rei, ao qual, destaque-se, assassinou, em 336
a.C.
O “nosso” Pausânias é o da Lídia, região em que nasceu e que
hoje pertence ao território da Turquia. Viveu em tempo muito mais recente do que
seus três ilustres “xarás” que citei, ou seja, no século II da nossa era,
quando a Grécia já nem era mais uma potência mundial, e nem mesmo uma nação
independente, mas mera colônia do Império Romano. Ainda assim, é considerado
pelos estudiosos como um dos maiores, senão o maior historiador das Olimpíadas
da Antiguidade. É dele, por exemplo, o relato do feito olímpico de Orsippus de
Megara, aquele que foi o primeiro atleta a vencer uma corrida pedestre correndo
“peladão”. Nosso Pausânias não testemunhou essa façanha. Nem poderia. Afinal,
esse feito olímpico aconteceu na 15ª Olimpíada, a de 720 a.C., cerca de 900
anos antes do seu nascimento.
Muitos comparam-no a bons jornalistas esportivos da
atualidade, pela meticulosidade de suas descrições, com detalhes técnicos das
provas. Esse Pausânias descreveu dezenas de Olimpíadas, todas com assombrosa
objetividade. O curioso é que sequer era historiador. Consagrou-se como
geógrafo, cuja principal obra, constante das melhores bibliotecas atuais ao
redor do mundo, foi “Descrição da Grécia”, em dez volumes. Nela abordou
praticamente todos os aspectos – geográficos, políticos, econômicos, sociais,
históricos, sociais e culturais – dessa magnífica civilização. E, ao contrário
de outros tantos geógrafos e historiadores, detalhou, também, as Olimpíadas com
meticulosidade, reitero, de se admirar.
“Comeu gato por lebre”? Provavelmente sim! Era inevitável
que o fizesse. Afinal, não testemunhou a maioria das Olimpíadas. Esteve
presente, só, em três ou quatro delas, se tanto. Teve que confiar, pois, nas
fontes que consultou, que podem ter sido (ou não, sabe-se lá) poluídas e fantasiosas.
Se foi o caso, no entanto, agiu assim com tanto talento e tamanha competência
que, ao ler suas descrições, não ousamos duvidar nem mesmo de casos que em tudo
parecem exagerados e fantasiosos e, portanto, inverossímeis, para não dizer
mentirosos.
Sobre a alegada (tratemo-la de “suposta”) façanha do atleta “peladão”,
Pausânias observou: “A minha opinião é que, em Olímpia, ele (Orsippus)
intencionalmente deixou seu cinto deslizar, percebendo que um homem nu podia
correr mais facilmente do que um vestido”. Como se vê, além de “repórter”, ele exerceu o
papel simultâneo de comentarista, opinando sobre os principais episódios que
trouxe à baila. Quantas pessoas assistiam aos jogos em Olímpia? Suponho que o
mesmo tanto de espectadores, se não menos, do que o número total de
profissionais de imprensa que cobrem as Olimpíadas atuais do Rio de Janeiro.
Isso as mais concorridas. Os moradores de fora da Grécia só ficavam sabendo dos
resultados das competições meses, quando não anos, depois da realização de cada
edição dos Jogos. Que diferença para estes nossos tempos, quando se espera um
público potencial de pelo menos quatro bilhões de “testemunhas” das disputas,
dada a magia da televisão.
Esse mesmo Pausânias, que “imortalizou” tantos campeões
olímpicos, merece, demais, ser “imortalizado”, por não permitir que um evento
esportivo de tamanha relevância caísse no esquecimento. Há outros historiadores
dos Jogos, mas não conheço nenhum que tenha sido tão detalhista e talentoso
quanto o nosso eclético personagem. Portanto: “honra ao mérito!”
Boa leitura!
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