Marés da vida
O escritor Jonathan
Swift, cujo humor refinado deu brilho à literatura mundial, escreveu que
"não há nada constante neste mundo, a não ser a inconstância". Aos
mais desavisados pode parecer que se trata de simples jogo de palavras. Mas não
é. A sutil constatação está revestida de enorme sabedoria. Nossa vida é como a
maré. Tem seus fluxos e refluxos, que se repetem até que sejamos atropelados
pela fatalidade e nos afastemos do palco central e, na maioria dos casos, dos
seus bastidores. Os sábios sabem administrar essa inconstância e não se
desarvoram com os períodos de baixa. Nessas ocasiões, reúnem forças para que a
subida seguinte seja mais intensa, mais vigorosa, mais duradoura.
Os que mais sofrem, e
findam por se perder, são os vaidosos, os ególatras, os que não admitem que não
sejam o centro do universo e das atenções dos que os cercam. São dignos de
pena. Têm uma visão distorcida da vida e dos objetivos da existência. São
vulneráveis exatamente por sua vaidade. Tratamos, em crônica recente, da questão
da fama e dos que não sabem administrar essa notoriedade que tanto procuram.
Quando a perdem, tornam-se amargos, frustrados, revoltados e até perigosos.
Julgam-se injustiçados, perseguidos, sabotados. Tornam-se paranóicos. Todos
conhecemos alguma pessoa assim. São as que, no afã de ser felizes, mas sem
competência para conquistar essa situação, mergulham de cabeça na infelicidade.
Tempos atrás, ao
escrever matéria sobre os dez anos da explosão do ônibus espacial
norte-americano Challenger para o jornal em que trabalhava, pude refletir sobre
a inconstância em minha profissão. Para redigir o referido texto, tive que
recorrer ao arquivo. Utilizei as páginas sobre o mesmo assunto que editei uma
década atrás. Na ocasião, mesmo sem a experiência e o conhecimento que tenho
hoje, eu era considerado um "nome" no jornalismo da cidade. Minhas
opiniões, publicadas diariamente, eram temas de conversas nas rodas de
intelectuais. Vivia assediado para fazer palestras, participar de jantares e
tomar parte em outros tantos eventos.
O tempo passou... A
maré da vida baixou... Passados dez anos, esse mesmo Pedro, melhorado pela
vivência e conseqüente experiência, não passava de um funcionário a mais de uma
enorme equipe, no exercício de uma função virtualmente burocrática, que não
condizia com seu preparo. Claro que essa situação foi um golpe para o meu ego.
Mas nem por isso fiquei frustrado. Pelo contrário. Segui executando a tarefa
que me foi destinada com empenho e dedicação, como se fosse vital para o jornal
e para a comunidade. "Só quem é fiel no pouco, consegue sê-lo no
muito", diz um preceito bíblico. E não posso nunca me esquecer que sou
dispensável. Nunca esqueci. Felizmente, ninguém é insubstituível neste mundo. É
certo que algumas dessas substituições representam retrocesso qualitativo. Mas
quem é que liga?! O mundo não pára somente por isso.
Costumo ficar atento
no "acaso". Alguns, chamam-no de "destino", outros, de
"sorte", mas o nome é o que menos importa. Sua manifestação é que é
importante. Sua ação pode nos colocar no centro dos acontecimentos e nos
transformar instantaneamente em heróis imortais ou nos suprimir a vida. Sob sua
influência podemos nos tornar ricos, poderosos e famosos ou cair na indigência,
na humilhação, no ostracismo. Esse fator aleatório é o que propicia ou suprime
oportunidades.
Portanto, há imensa
sabedoria na observação de Swift, como ademais em tudo o que esse escritor nos
legou. A inconstância é rigorosamente constante. Convida-nos a sermos prudentes
e a tratarmos os que nos rodeiam com bondade e gentileza, sejam eles quem
forem. Os que maltratarmos na subida, serão os mesmos que nos pisarão a cabeça
quando da descida. Quem sabe o que quer, quem traça um roteiro para a sua vida
e é maleável para modificar o rumo quando for necessário, quem tem energia para
produzir, talento para criar e autodisciplina para evoluir espiritualmente, não
tem o que temer.
Pessoas com esse
estofo jamais irão empinar o nariz, achando que são melhores do que as outras.
Nunca irão se deixar levar pelos louvaminheiros de plantão. Em circunstância
alguma assumirão ares de superioridade diante de quem quer que seja. Saberão
colher estrelas-do-mar na areia, quando as marés baixarem. Navegarão com
audácia quando elas subirem. Serão, mesmo que os outros não admitam de imediato,
vencedoras. Conquistarão um lugar cativo no coração do seu povo.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
É preciso aprender muito a cada dia.
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