Embaralhe o baralho
* Por
Mara Narciso
Depois do meu
casamento comprei um jogo de baralho. Chamei meu recém-marido para jogar
Buraco, mas ele nada entendia, nem mesmo o nome das cartas e os naipes. Ás que
vale um, 2 até 10, J (valete), Q (rainha), K (rei), Copas (clero), Ouros
(burguesia), Espadas (militares) e Paus (camponeses). Tínhamos, eu e ele, 22 e
28 anos, respectivamente. Eu tinha terminado o quarto ano de medicina e ele era
engenheiro civil há três anos e meio, bem informado, interessado e atualizado,
de olhos e ouvidos no rádio, TV, jornais e revistas, mas completamente fora do
mundo do baralho. Intrigada, descobri o mistério: quando meninos, o pai dele,
que era sargento da FAB – Força Aérea Brasileira -, flagrou os três filhos mais
velhos (meninos ainda e ele era um deles) com cartas na mão, e fez um
escândalo, arrancou tais cartas, picotou e jogou fora, e prometeu que se algum
dia os visse jogando, daria uma surra em cada um. Obedeceram e passaram a ter
pavor de qualquer tipo de jogo, exceto loteria, evidentemente, que o meu então
marido jogava toda semana.
Quando eu tinha sete e
o meu irmão oito anos, Milena, a nossa mãe, nos comprou dois mini baralhos, que
couberam em nossas mãos e nos ensinou a jogar Buraco. Sentávamos no chão e
tentávamos acompanhá-la. Descobrimos o que significavam as cartas, qual o valor
de cada uma na formação do jogo e na contagem dos pontos, as letras, os
números, o coringa, que podia substituir qualquer carta, assim como o dois, a
trinca, o jogo furado, a sequência, a canastra, a canastra real, o canastrão,
embaralhar, cortar o baralho, o morto, comprar carta, descartar, o lixo, bater,
vencer e perder.
Não tenho habilidade
em jogos. Com bola, desde queimada, vôlei e futebol sou uma negação. Perdia em
outros jogos, como Ludo, Damas, Dominó, Vareta, Banco Imobiliário e também no
baralho quando tentávamos jogar sete e meio e vinte e um, ditos jogos infantis.
Mas o baralho também foi um caminho para convívio e interação em casa de
amigas, quando formávamos duplas (não me queriam por eu ser desatenta, que
entregava cartas para o adversário), no Pentáurea Clube, quando até quem não
entendia o jogo jogava, para desespero do parceiro, e na casa de familiares,
anos depois, mas aí já era o Pôquer.
Conheci o Pôquer
através do meu colega de medicina Clédimo Noronha. Naquele tempo a Faculdade de
Medicina Norte de Minas (depois Unimontes) ficava num lugar ermo (o mesmo de
hoje). Os professores atendiam em hospitais e consultórios e seus horários eram
imprevisíveis. Era comum ficarmos esperando duas horas ou mais, até que
aparecessem para nos ensinar. Para matar o tempo, ficávamos jogando Pôquer,
apostando cigarros e balas de hortelã. Participavam do jogo Margarida Batista,
Waldeir Barreto, Clédimo Noronha, eu, e mais alguém.
O Pôquer é um jogo
fascinante e viciante, pela velocidade com que ocorre. Tudo pode mudar e a sorte
se inverter num segundo, podendo-se perder muito, pois se faz a aposta, que
pode ser dobrada no mesmo instante. Jogávamos do jeito mais comum, e
determinávamos o valor da rodada. Mesmo sabendo quantas cartas tem um baralho
(excluíamos as cartas abaixo de sete) mantendo o ás, eu jogava mal. Na escola
não houve nada de mais marcante, mas um dia, no Pentáurea, por coincidência,
meu irmão e eu fizemos bons jogos, na mesma rodada. Era só brincadeira e nada
apostávamos além de fichas, sem valor real. Ficamos confiantes por estarmos com
a mão cheia e fomos apostando e dobrando as apostas, pegando emprestadas fichas
de quem estava na mesa, numa crescente excitação, e ao final, um de nós tinha
um four de valete e o outro um four de ás. Sinceramente, eu não sei quem
ganhou, mas devo ter sido eu, pois foi o momento mais marcante do Pôquer em
minha vida.
Ainda que me venham à
mente alegrias com o jogo, não mais joguei nos últimos anos. Do meu ponto de
vista, o vício em qualquer coisa, sejam ações repetitivas, drogas ou disputas,
depende de um fator pessoal. E vocês? Façam suas apostas!
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Gosto do mais instantâneo dos jogos de baralho: 21. Perigosíssimo...
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